MINHA AVÓ CATARINA

Vendo-a depauperada

vago alento no olhar

aos 94 anos cessava

extenuavam as fibras

aquele espírito audaz

débil corpo expirava

impotente assistia

últimos momentos

frente ao inevitável

se pudesse impedia

mas como retê-la

de vôos mais altos ?

assinalava o tempo

inexorável e fatídico

suga energias e vida

nas noites na fazenda

junto a mim protegia

tinha medo do escuro

senti-me distante isolado

amiga tantas lembranças

partia assim a companhia

gratas memórias vividas

sabores mangas colhidas

coração de boi e espadas

quando saíamos escolhia

charrete, trem, jardineira

o desejo meu uma ordem

cúmplice de meu primeiro gole

o martini tão doce e inebriante

sua bebida favorita partilhava

vitrines guloseimas

na bolsa surpresas

mimos e atenções

das revistinhas em quadrinhos

lidas relidas lentidão no relógio

salão de cabeleleiros e torturas

No ar aromas de tinturas

bobies, grampos e laquês

esmaltes odor de bananas

sempre jovial a Catarina

até um codinome adotou

como Nelly foi conhecida

Precoce para os estudos

alteraram documentos

a data do nascimento

pioneira em seu tempo

três alunas na turma

bacharel em farmácia

também foi professora

atuou em laboratórios

ativa a vida mantinha

vaidosa, elegante esguia

a tez do rosto maquiada

unhas pintadas e batom

inerte velada na despedida

rubro nos lábios cerrados

maçãs das faces retocadas

Foi-se a Nelly, a Catarina

com ela um pouco de mim

cicerone em tantas alegrias...