MÃE HEROÍNA (Carvoeiros do Amazonas)
Ouça o áudio deste poema
A devastação desenfreada da floresta para a fabricação de carvão vegetal utiliza-se da mão-de-obra infantil, quase escrava, e leva à miséria absoluta, famílias inteiras no interior da floresta amazônica. É um drama surdo que perde em popularidade para os retirantes do Nordeste, mas não menos grave e vergonhoso para um país grandioso como o Brasil.
MÃE HEROÍNA
(Carvoeiros do Amazonas)
Nos olhos baços,
Uma desesperança havia,
Uma tristeza,
Uma melancolia,
Um desânimo e um lamento,
De sonhos perdidos,
Levados pelo vento...
No braço esquerdo,
Um bebê amparava,
Apenas a fome lhe dizia:
“Siga!”.
Com a mão direita,
O segundo penteava,
Enquanto este, para a mãe olhava
O terceiro, que estava na barriga.
Ao redor,
O rancho de madeira,
Tosco,
Lá fora,
O ar de fumaça,
Fosco,
Cheirava o cheiro amargo
Do mísero carvão...
E cá dentro desse rancho de madeira,
Um balaio e um saco
Continham a história inteira,
Dos sonhos que sonhou
Seu coração...
Perambulando ainda,
No terreiro,
Um galo cantava faceiro,
Alheio ao drama
E à agonia...
Um cachorro latia
À alvorada,
No fogo, uma panela vazia,
No coração,
Outro fogo a arder,
Pela criança que soluçava
Debilmente
Por não ter o que comer...
Sozinha,
A força se esvaía,
Na lágrima que descia,
Silenciosa, pelo rosto forte...
Já quase nem lágrimas havia
Para chorar...
E nos olhos baços
Da menina desnutrida,
A tragédia
Alterava sua vida,
Selando sua sorte...
Seria apenas uma cruz
No descampado,
Após a visita da morte...
Não tivera filho homem,
Infelizmente,
O marido já se fora,
Era ausente,
E ninguém se levantaria
Em sua defesa...
Mas Deus era bondade,
- Pensou ela -
E se filho homem
Ele não lhe dera,
Nem ninguém para diminuir
Seu agravo,
Talvez fosse para que o carvão,
Não fizesse mais um escravo...
Agora era partir para o Sul,
Onde, ouvira,
O leite era abundante...
Nada mais do trabalho
Estafante
De cortar e queimar
Toda a madeira...
Compraria uma linda mamadeira
Para o pimpolho
Que ainda estava por nascer...
O trabalho – lhe disseram –
Era estafante,
Mas, como o leite, abundante.
E quem acha, pensou ela,
Que trabalha demais
Noites inteiras,
Que venha cortar,
Arrumar, armar, queimar, e transformar
Em carvão, essa madeira...
Ao redor
Não havia um só vizinho,
Portanto,
Não haveria despedidas...
Nem no Sul havia alguém
A esperar...
Mas, se a fome era tanta,
Tinha fé
Que, a ter que morrer deitada,
Iria andando,
E morreria de pé...
* * *
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A devastação desenfreada da floresta para a fabricação de carvão vegetal utiliza-se da mão-de-obra infantil, quase escrava, e leva à miséria absoluta, famílias inteiras no interior da floresta amazônica. É um drama surdo que perde em popularidade para os retirantes do Nordeste, mas não menos grave e vergonhoso para um país grandioso como o Brasil.
MÃE HEROÍNA
(Carvoeiros do Amazonas)
Nos olhos baços,
Uma desesperança havia,
Uma tristeza,
Uma melancolia,
Um desânimo e um lamento,
De sonhos perdidos,
Levados pelo vento...
No braço esquerdo,
Um bebê amparava,
Apenas a fome lhe dizia:
“Siga!”.
Com a mão direita,
O segundo penteava,
Enquanto este, para a mãe olhava
O terceiro, que estava na barriga.
Ao redor,
O rancho de madeira,
Tosco,
Lá fora,
O ar de fumaça,
Fosco,
Cheirava o cheiro amargo
Do mísero carvão...
E cá dentro desse rancho de madeira,
Um balaio e um saco
Continham a história inteira,
Dos sonhos que sonhou
Seu coração...
Perambulando ainda,
No terreiro,
Um galo cantava faceiro,
Alheio ao drama
E à agonia...
Um cachorro latia
À alvorada,
No fogo, uma panela vazia,
No coração,
Outro fogo a arder,
Pela criança que soluçava
Debilmente
Por não ter o que comer...
Sozinha,
A força se esvaía,
Na lágrima que descia,
Silenciosa, pelo rosto forte...
Já quase nem lágrimas havia
Para chorar...
E nos olhos baços
Da menina desnutrida,
A tragédia
Alterava sua vida,
Selando sua sorte...
Seria apenas uma cruz
No descampado,
Após a visita da morte...
Não tivera filho homem,
Infelizmente,
O marido já se fora,
Era ausente,
E ninguém se levantaria
Em sua defesa...
Mas Deus era bondade,
- Pensou ela -
E se filho homem
Ele não lhe dera,
Nem ninguém para diminuir
Seu agravo,
Talvez fosse para que o carvão,
Não fizesse mais um escravo...
Agora era partir para o Sul,
Onde, ouvira,
O leite era abundante...
Nada mais do trabalho
Estafante
De cortar e queimar
Toda a madeira...
Compraria uma linda mamadeira
Para o pimpolho
Que ainda estava por nascer...
O trabalho – lhe disseram –
Era estafante,
Mas, como o leite, abundante.
E quem acha, pensou ela,
Que trabalha demais
Noites inteiras,
Que venha cortar,
Arrumar, armar, queimar, e transformar
Em carvão, essa madeira...
Ao redor
Não havia um só vizinho,
Portanto,
Não haveria despedidas...
Nem no Sul havia alguém
A esperar...
Mas, se a fome era tanta,
Tinha fé
Que, a ter que morrer deitada,
Iria andando,
E morreria de pé...
* * *