Iracema
Iracema
Iracema!?
Iracema,
“a virgem dos lábios de mel
cujos cabelos eram mais
negros que as asas da graúna”.
Assim mesmo como descrevia o Alencar
ela entrou pela varanda do meu quarto.
Ofereci sapotis
que comemos
devagar
pensando no amor antigo que nos unia.
Tomou-me pela mão e levou-me
para a praia em frente
e nos banhamos sob um céu cheio de nuvens pesadas,
brancas acinzentadas, quase escuras,
que passavam ligeiras e baixas
pois tinham que festejar
o amor de outros que também se banhavam na noite
com Iracemas,
nas águas quentes e gostosas
do mar de Fortaleza.
Nos amamos como nunca amei
nas águas
na areia
no ímpeto e no ritmo das ondas
com o toque carinhoso das nuvens
com os segredos que vinham, com o vento, da África
com a companhia conveniente e adequada
da eternidade
para uma noite bonita
de sonho e paixão.
E tudo de ruim foi esquecido.
Os medos e sofrimentos
não haviam existido.
Todo um passado dolorido fora apagado
pelo corpo moreno, liso, sinuoso e sem pêlos,
pelo sorriso, pelos carinhos
da gentil Iracema
ali numa praia do Ceará.
Naquela noite
todos os sofridos, bêbados, drogados, indormidos,
que estavam à beira mar,
viram irrequietos e cobiçosos,
invejosos até,
a minha alegria, o nosso amor,
Iracema e eu
na praia, nas ondas, sob as nuvens...
num grande amar, amar, mar, mar, ar, ar, ar...
O sol nasceu cedo, cedo demais
e me encontrou dormindo
na cama vazia de um quarto vazio.
Acostumado com desilusões de sonhos alucinados,
não entendi os sapotis comidos,
a areia no chão,
lençóis ainda molhados,
a varanda aberta para praia perto.
Sorri ao me ver no espelho,
feliz
desperto e corajoso,
esperançoso também,
não mais cansado de tantas desilusões,
disposto a esperar – não sei bem o que,
mais um dia, talvez,
se o sonho quiser
se a vida deixar
Iracema ainda uma vez.
(Publicada in A Amada do Sonho, Frente Editora, 2001)