Minha Lua

Ó lua de minha infância tão breve e terna

que se perdeu no fundo do nosso riacho

de onde meu irmão e eu perto cantávamos,

tudo era banhado de luz onde brincávamos.

Ó lua que assistiu com entusiasmo e curiosidade

a mim e a meu irmãozinho caçula a brincarem,

os quais bancavam ser pescadores de sonhos

e de tantos prodígios que ocorriam na sala

ou na cozinha da nossa casa materna,

pois os peixinhos eram os chinelos que pescávamos usando barbantes;

Ó lua tão cheia de enigmas,

que fazia meu irmão me indagar quando éramos saudáveis e jubilosas crianças:

"Por que a lua fica sempre me seguindo quando eu olho pra ela, mano",

e eu respondia "Eu não sei, Lê, é tudo meio insano";

e ficávamos calados e felizes diante daquele mistério,

tão além do nosso infantil e humano sortilégio.

Ó lua que banhava de luz a quadra de futebol

onde jogávamos futebol de pés descalços

até às 11h da noite com nossos amigos de infância

(onde estarão e quem serão os amigos

a quem amávamos tanto e a quem abraçamos

e chamamos com tanta convicção de "amigos",

pois tudo jaz agora tão longe, tão distante,

tão diferente , tão confuso, tão perdido!!!)

Ó lua tão bonita que acompanhou nossos passos em tantas ruas escuras

as quais já não reconhecem mais a pureza das nossas alvas almas

agora tão crescidas, longínquas de si mesmas e enfermas;

Ó lua tão calada e cheia de vida,

sozinha no espaço, porém tão brilhante

e generosa nesse céu silencioso,

assombroso e estrelado,

lua das vastas marés e dos barcos,

que partem em busca de seus sonhos,

de seus desejos e de sobrevivências

perante tantas tempestades e dias inférteis

e noites tão nubladas que orar e rezar

se tornam o único farol neste turbulento mar;

Ó lua dos apaixonados pela vida,

lua de quem tira os olhos do egocentrismo de si

e que sabe olhar para o céu noturno e diurno,

e para as coisas difíceis e alegres da vida,

e que estendem a mão para levantar quem caiu na rua,

e repartem o sofrido pão de cada dia com quem nada tem...

Ó lua cheia de esplendor que evoca a esperança

nas marés secas dos nossos destinos incertos e frágeis;

Ó lua que nunca se cansa de brilhar,

lua que tanto viu e chorou ao ver e sentir

as lágrimas da minha mãe que tanto sofreu,

(e ainda sofre, diariamente)

que tanto levou surras do próprio marido,

que tanto trabalhou a fim de dar

educação, amor e escolaridade aos filhos;

mãe que abdicava de comer para que seus filhos sofridos e amados

pudessem almoçar e jantar, pudessem ter um leito para descansar...

Minha bendita mãezinha que sempre esteve presente na vida de seus filhos,

mãe plena que trabalhou tanto para dar um lar, roupas, proteção,

cuidados, zelo, carinho e tanto amor aos seus filhotes,

aos seus rebentos que amava com tal divindade humana tão real, além do real;

mãe que teve de enterrar três filhos e sepultou, infelizmente, parte de sua vida

e de sua alegria lá naquele jazigo tão fúnebre e triste:

vede, ó lua, tu que acompanhaste e viste

tão bem todas as lutas e tragédias

que minha mãezinha passou e sofreu,

eu venho a ti e lhe peço humildemente: concede um pouco de alegria e felicidade

à minha maravilhosa mãe nesta herdade,

Já que mãe és tu, sem qualquer vaidade.

Ó lua que cintila em tantas cidades,

em tantos campos de fartura e de homicídios enterrados,

Lua que cintila em tantas pedras polidas e em becos decadentes,

em tantos corações cheios de êxtase e nas almas quebradas e imprudentes;

contudo, tu és capaz de iluminar

a abóbada celestial dos nosso lares

às vezes tão apagados e mortificados,

como se fossem velas que esperam

a chama pequenina ou uma faísca singela

de um fósforo aceso por uma mão trêmula

ou por uma fé já cansada na fechada janela.

És tão linda, ó lua de retos, tolos e profanos,

Tão plácida no vasto céu de bilhões de anos,

valiosa e radiante como um diamante

ou um rubi enorme e circular que evola-se

acima dos montes, dos vales escuros,

dos prédios, das casas de cimento e cal,

dos crimes cometidos sob o manto do mal,

dos doentes que suplicam nos hospitais

por uma mão compassiva que os cure;

que tenha compaixão dos mortos

que, durante esta vida, viveram escassos,

vida tão pequena e que foram sepultados

sob a luz da tua retina piedosa, entristecida

desolada, comovida, humana e enternecida

às aflições das mães, das crianças, irmãs e pais

que não merecem todas essas miríades

de doenças e sofrimentos injustos e insanos.

Ó lua de outrora desconhecida,

Mas hoje tão cheia e tão presente,

Lua de festejos milenares e recentes,

Lua de São João e de outros santos,

Olhai por nós, ó lua, minha donzela

Sublime no labor noturno em cada viela,

Enchei, ó Bela, de admiração e poesia

Aqueles que te olham com maestria.

Vem, ó lua de meus pais,

E de meus antepassados que descansam,

Vem durante esta noite entorpecente,

Com a palma da Tua mão resplandecente,

Afaga meus rins e as praias da orfandade,

Curai-me de tanta dor e das enfermidades,

Curai-me de quem sou e de quem não sou,

De quem fui e de quem almejei ser,

Ainda que não tenha conseguido nada ser...

Curai-me de quem errei em ser,

De quem falhei em ser,

De quem tropecei em ser...

Curai os que tanto magoei,

Não quis machucar ninguém,

Só queria viver a minha vida e escrever,

Eu só quero viver, só quero amanhecer

E, qual o ocaso, no tempo certo entardecer.

Ó lua, curai-me deste não-ser,

O qual é este ser-sofrendo;

Curai o passado neste presente,

Ó lua serena que brilha claramente

No céu desta alma cheia de chagas,

Mas também de oceanos profundos,

Cheia de barcos repletos de pescadores,

De longas redes e sonhos enternecedores,

De plantações de milho e centeio,

De crianças brincando na varanda do meio,

De casais apaixonados juntos aos muros,

De pais zelosos esperando o regresso dos filhos maduros,

De pássaros dormindo à espera do novo dia,

Que logo acordará com um novo rosto ao amanhecer...

Deus meu! Tantas formas de vida que habitam

Os milharais, as cidades e os templos do nosso ser.

Ó lua de esperança pulsante e radiante,

Lua nova, crescente, cheia, minguante,

Não deixe exalar meu espírito perseverante,

Não permita que eu me perca de teu mirante,

Pega-me ao colo, cuida do meu ser lacerante,

Rezai por mim, cuidai de mim, ó astro fulgurante,

Vinde logo, suplico, minha amada aflorante,

Vem, abraça-me com teu suntuoso fogo e amor,

Curai-me de mim com teu amparo e fulgor.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 21/08/2024
Reeditado em 01/09/2024
Código do texto: T8133710
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