Promissórias (história real)

A torneira dispensava

A água fria sobre o cocho

E as mãos tão gélidas

Estremeciam num tom roxo.

Seus aspectos eram feios,

Seus motivos eram nobres.

A mulher e sua família

Obrigavam-se, eram pobres.

No outro lado do jardim

Acabara de entrar

O mais rico advogado,

Sem as unhas para aparar.

Disse à velha, observando:

- Vim aqui para cobrar-te,

Assinaste umas notas

E trouxe aqui para entregar-te.

E as mãos tão surradas

Enxugou-as na calça,

Colocou-se a disfarçar

E procurou a velha alça.

Da bolsa tirou uns trocados

E sem lamuriar:

- Tenho isso num mês,

O resto hei de lhe pagar.

O homem agarrou o dinheiro

E só então reparou

Nas mãos tão castigadas

Que do suor, a sustentou.

- O que fizeste com elas?

Colocou-se a questionar

- São as marcas, meu doutor

De tanta roupa lavar.

- Eu busquei aqui na fábrica

Dos peões para limpar

E como não tenho máquina

A pele tenho de me virar.

- O meu filho está preso

E um dia hei de encontrá-lo

Nem que eu fique vida inteira

As gastando para livrá-lo.

- Não tenho culpa de seus atos

Mas nunca deixarei de amá-lo,

O amor de mãe é eterno

E não vou abandoná-lo.

Estendeu-o as mãos sôfregas,

Havia muito trabalho.

Mais um saco de roupa

Espichado no assoalho.

E às mãos tão calejadas

Machucadas por lutar

Proferiu o advogado:

- Tu não há mais de pagar.

E naquele simples gesto,

Rasgou as promissórias

E ficou sempre marcado

Da velha, nas histórias.

Ernani Wolter Jr
Enviado por Ernani Wolter Jr em 29/07/2024
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