Hino (Edgar Allan Poe)

Santa Maria! Volve o teu olhar,

de lá dos altos céus, do teu trono sagrado,

para a prece fervente e para o amor singelo

que te oferta, da terra, o filho do pecado.

Se é manhã, meio-dia, ou sombrio poente,

meu hino em teu louvor tens ouvido, Maria!

Sê, pois, comigo, ó Mãe de Deus, eternamente,

quer no bem ou no mal, na dor ou na alegria!

No tempo que passou veloz, brilhante, quando

nuvem qualquer meu céu escureceu,

temeste que me fosse a inconstância empolgando

e guiaste minha alma a ti, para o que é teu.

Hoje, que o temporal do Destino ao Passado

e sobre o meu Presente espessas sombras lança,

fulgure ao menos meu Futuro, iluminado

por ti, pelo que é teu, na mais doce esperança.

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Esta tradução do poema saiu, no Brasil, no livro "Poemas e Ensaios". Tradução de Osmar Mendes e Milton Amado. Revisão e notas de Carmen vera Cirne Lima. São Paulo: Globo, 1999, p. 52.

*Edgar Allan Poe, grande nome da literatura norte-americana e um dos autores mais lidos até hoje, teve uma vida bastante atribulada. Ficou órfão em tenra idade, e sempre circulou em meios marcados pelo protestantismo, embora o escritor nunca tenha se tornado uma pessoa religiosa. Desde jovem, decidiu-se por ser um "livre pensador". Quem o conheceu dizia que Poe era um genuíno cavalheiro, uma combinação singular de afabilidade, perspicácia e cultura. Sua obra, entretanto, revelava, juntamente com a perspicácia e a cultura, anelos estranhos, violência, além de fantástica e sombria imaginação. Poe perdeu seus maiores afetos e amizades em mortes prematuras, foi rejeitado pelo pai e pelo padrasto, enfrentou muitas humilhações profissionais e financeiras. Viveu seus 40 anos sempre em busca da esposa perfeita e do reconhecimento literário, e acabou no alcoolismo. Certa feita, já no fim da vida, Poe surpreendeu-se com o badalar do sino de uma paróquia ao passar por ela ao meio-dia. Quis saber do que se tratava e não havia ninguém no recinto para a Missa ou uma procissão. O pároco lhe explicou que os sinos das igrejas católicas tocavam às 6h, 12h e 18h para levar os batizados à oração do Ângelus, que louva a encarnação do Verbo Eterno no puríssimo ventre da Virgem Maria. O poeta ficou muito impressionado com isso e teve a inspiração de pôr na boca de um dos personagens do conto "Morella" (1835) o louvor à Nossa Senhora que transcrevemos acima. Pouco tempo depois, Poe voltou ao Ângelus e escreveu outro "Hino", que foi publicado em uma coletânea. Um outro sinal da insistência da Virgem Maria para com o atormentado escritor deu-se em sua misteriosa morte, que ocorreu em 07 de outubro de 1849, dia do Rosário de Maria Santíssima.

Rafael Aparecido
Enviado por Rafael Aparecido em 17/06/2024
Reeditado em 23/06/2024
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