Cheias
Horas antes, quietudes naturais, sons e silêncios.
As poucas gotas presentes no chão, nascidas e jorradas do alto, irrigam matas, estradas, alamedas e jardins. Saciando animais e gentes; sustentando apinhados açudes, vertendo rente ao solo, o líquido sagrado; e tudo até então! Tudo, absolutamente normal!
Poças rasas, córregos pacatos e riachos inermes, seguem... Seguindo, juntando-se a seus consortes, avolumando pra virar à frente, grande “RIO”!
Estes veios ramificados e obedientes que desandam por fileiras de pedras, que ordenadamente descem, desenhando o feitio de milhares de curvas, contornando inóspitos vales, valas, picadas e recônditos lugarejos; aguando com vida, a lida diária, as roças, os quintais e os simples casebres.
O mesmo fluído transparente, se alonga comedidamente, criando novos braços, atalhos vertentes, espraiando-se, virando portentosos rincões a percorrer encostas, tendo uma parte sua aprisionada, abastecendo grandes tanques, ressortes e luxuosos casarões!
Mas, que em dado momento volta a se amansar, se conter e se estreitar, sempre, sem parar de teimar, nem desistir de banhar e sem abdicar de correr! E por essa razão, corre; e acelera mais um pouco...
Dessa forma, seguindo, delineando seu curso habitual, abastecido por um sem número de outros motejos, irá transformar-se ali adiante em caudalosos gigantes, doces e salgados, sustentadores de abastados e gentios, ribeirinhos.
Estas mesmas molhas pequenas, que ora se comboiam e que a miúde destilam sua verte por bicas estrugidas; pendem de torneiras e registros mal atarraxados; são contadas, uma a uma em respingos de goteiras, se renovando em calhas esquecidas, sujas e saturadas de velhos barracos e de novos telhados bem arquitetados.
Nessa mesma hora que se seguem tais normalidades, sem mais..., e sem lógicas explicações, começando do nada, passados poucos minutos, pós relatados tais coisas naturais, passam-se a se ouvir, repetidos sinais e um monte de preliminares análises!
E são clamores desesperados, sabidos, sábios e eloquentes avisos que se misturam e se agravam, e se somam, repercutidos num ar cinza, agora muito mais carregado!
Nos mesmos segundos, o bradar de fortes roncos de alarmes desesperados, frenéticos vai e vem, de ensandecidos lamentos e movimentos angustiados, atropelam-se. Muitos calando-se, para sempre!
Daí pra frente, e sem aliviar, um só instante, infelizmente a contabilizar-se: dores, pedidos ecoados por socorros (uns atendidos, já outros...). E o que há pouco eram apenas sons normais e passageiros do continuar da vida numa rotineira calmaria, em uma fração de interminável tempo, transformam-se em dezenas, centenas...em milhares de perdas sofridas!
Porém, maiores ainda são os gestos de ajuda, empatia e solidariedade, que se multiplicam advindas de todo canto, rasgando enxurradas, "cheias’’ de fé, estendo suas mãos por vias intransitáveis!
Que bom seria, se com essas indesejáveis situações de desastres, infinitas dores e penúrias, pudéssemos aprender de uma vez por todas, e mudar para a nossa verdadeira condição de “seres humanos”. Esquecendo dissabores e diferenças (quaisquer...) e convergindo ao bem, naquilo que realmente nos iguala. Ou seja, na primordial condição de sermos todos irmãos, compatriotas moradores de um mesmo país, habitantes de um mesmo mundo e semelhantes filhos, do mesmo PAI e embora com feiçoes diferentes, iguais!
Ou teremos que esperar, por um novo pior porvir, ainda pior?