Nossa sentença
Minha sentença é demais por justiça não feita
Os juízes imóveis agem como loucos, sábios hipotéticos
Minha vida nunca é contada, a defesa, fica na sarjeta
Provas perdidas ao longo do caminho, testemunhos poéticos
Riem na cara do homem calvo de botinas tortas
Roupas amassadas sem botões, quando se veste, não se mede
Não se apruma, nunca se arruma, tem feridas descobertas
Apontam dedos sobre ele e o julgam inconsistente, não procede
Aperta um calo, a vista se turva embaçada
Seu protetor se afasta e ele chora, sem futuro
Um dia ele ainda se mata, se cala numa rima engraçada
Na frente dos magistrados, a pedrada, num canto escuro
Mas homens imprestáveis também sofrem
Deixa seus filhos contentes, fragrante ilusão
Assim, sem razão, dor sem fim, crianças fogem
Seus pais agem como santos na própria desilusão
Mas quem somos nós para apontar o cisco num dos olhos
Se o mesmo cisco deixa-nos cegos, caolhos?
Quem duvida, fica na cama, e na cozinha esquenta seu café
Sorridente, toma junto o antidepressivo, para tentar maquiar sua fé
Os juízes dão risadas bobas, não tem sentido
A piada foi passado, não resistiu ao tempo
Sofre-se com este mau agouro, que paira nas instâncias de um amigo
Inunda em palavras, inflama a alma, entorpece o bom senso
...
Hoje o dia está chuvoso, continuo deitado
Mas ainda acordo cedo, vou trabalhar, coitado
Vive sem dinheiro, prestação cara, que nunca acaba
Soletra números, pensa palavrão, sorte imunda que afaga
Mas um dia acaba, dá um nó de marinheiro
Some pelo mundo, sai da cozinha, sai de casa, arruma a cama
Toma uma fragata, desbrava ilha, converte-se armeiro
Só, inútil, desgovernado, fica perdido, em má fama
Um dia a casa cede e as paredes caem
Os magistrados quebraram as estruturas e a sentença é cruel
Fez um moribundo, alma inexistente, que pecados recaem
E de um camponês cidadão, pagador fiel
Continua a chuva, dia triste que não finda
Até gosta de sentir gotas sobre a cabeça, lembra-se da infância
Da chuva de prata que pingos não mata, era época bem-vinda
Hoje sofredor, vê chuva passar sem relevância
Seu sofrer é uma cela em sua mente
Mantem aprisionado seu próprio pensamento
Come comida azeda oferecida, alimenta sua dor jaz latente
E dorme no sonhar de seus pecados, impostos sem consentimento
Porquanto a Lei é mau e bom é sair por ai
Tomar conta da vida alheia, ser do júri, uma testemunha
Ajuizar um crime, e daí ?
Ofender um pobre, dar tapa no rosto e arranhar com a unha
Um dia, quem sabe, a Corte será instaurada
E o Supremo decretará o bom juízo de vez
Quem sabe a Lei será exprimida, mudada, amparada
Em doses seguras de amor e carinho, cortês
Como se julga, também será julgado
Por isso viva, ame, peque, levante, mude
Seja humano e divino, coloque ponto final, risque um traço
Tenha ternos sentimentos, hombridade, virtude
Pois somos do pó e o julgamento é ao pó
Um dia voltamos, conectados a pátria, partiremos
Por isso abraçar é preciso, amar é tirar o paletó (não somos Faraó)
Somos prebleus, israelitas, e um dia, filhos de Deus, seremos