"EU VOU RIR"
“Das coisas que não tenho, dos momentos difíceis.
Vou rir do circo todo transbordando palhaços com caras tristes, palhaços sem
maquiagem, sem goiabada; mas que choram em verde e amarelo.
Vou rir das coisas insensatas, dos óbitos do dia, dos motoristas em seus carros
possantes passando pelas poças d’água molhando os pedestres.
Eu vou rir de propósito.
Vou rir do ministérios sem administração, da política carcomida, vou rir do próximo
salário, da inflação que de tão congelada nem sinto; é... eu vou rir.
Vou rir do meu prato homogêneo, do céu outrora azul, vou rir das vilas alagadas nas
tardes de outono.
Vou rir da minha tristeza, do eu engraçado no espelho, eu vou morrer de tanto rir!
Eu vou rir da natureza quase extinta, a cada árvore que cair aplaudirei, vou rir dos
rios escuros, das noites sem estrelas.
Vou rir do bêbado na esquina, da criança no farol do centro; vou rir e beber até cair
com a prostituta de treze anos que ri... tentando esquecer.
Eu vou rir das guerras conflagradas pelos grandes, das armas que cospem
estupidez, eu vou rir em americano.
Eu vou rir da paz inalcançada dos hippies, das drogas consumidas, da juventude
transviada eu vou rir.
Eu vou rir à luz de velas em todos os blecautes, vou rir da porta giratória do banco
sendo travada para mim.
Eu vou rir dos juros da poupança, dos juros das contas que pago, das juras: “eu juro
que faço!”.
Vou rir dos meus quase trinta anos, da minha vida incompleta, eu vou rir do pai que
não tenho.
Eu vou rir das populações esquecidas, da derrota do povo, no desespero
eu vejo graça; eu sou brasileiro!
Também vou rir da violência, dos programas exemplares no horário nobre, eu vou rir
do ensino imposto, obsoleto, omisso.
Eu vou rir da posição que eu queria e nunca encontrei, dos meus sonhos na vitrine,
do meu único e garantido pedaço de terra com a boca escancarada em gargalhadas
querendo me engolir.
Eu vou rir ao som de Osório Duque Estrada, das tristezas de Drummond; eu vou rir
por último por sempre estar atrasado. Eu vou rir melhor, eu vou rir colgate, pois
sempre, sempre coca-cola!
Enfim, eu vou rir como sempre, eu vou rir pra dentro. Eu sou mais Brasil!
Eu vou rir, até chorar”.