Paradoxo

Tenho inveja das árvores

Justamente por ser lenhadora

Paradoxo que não impõe cárceres

A uma mente sonhadora

A seiva em meu machado,

Também é meu sangue, ali, deixado

Cada corte, no tronco, entalhado

É a cicatriz de um passado marcado

Para não sucumbir à loucura,

Não necessariamente,

É preciso fingir a cura

E negar o que atormenta a mente

Não posso reescrever o que passou,

Embora não signifique que acabou

Mesmo que eu não toque a ferida esquecida,

Lembro-me dela quando sua dor é sentida

Queria ser como uma árvore

Apenas balançar minhas folhas ao vento

Sem ter medo de pernoitar ao relento

Ou temer tudo o que se move

Quem dera, raízes fincadas no chão,

Uma boa desculpa para a minha preguiça

Boa justificativa para a minha estagnação

O álibi de que todo o covarde precisa

Há muito, abandonei minha moral

E abracei a minha falta de vontade

Em cada dia desperdiçado, banal,

Jaz o pouco que resta da minha vaidade

Se eu apenas pudesse ficar plantada,

Assistir o pôr do sol e o nascer do dia

Poupar-me-ia cada tentativa desesperada

De dar sentido a uma existência tão vazia

Mas afinal, o sol sempre brilha,

Mesmo sobre troncos cortados,

E sobre cinzas de galhos queimados,

Espantando a sombra fria

Uma fagulha de esperança a nascer

Pois, mesmo um caule cortado,

Assim como um coração mutilado,

Ainda é uma árvore, capaz de florescer