A vida sempre recomeça
A chuva lá fora emudece sombras, pés, passos, vozes e habeas corpus;
Há toda uma beleza na chuva noturna e silenciosa,
Há toda uma inocência na quietude das ruas e das casas,
Há toda uma missa onde os silêncios e as azáfamas se fundem
[Na hóstia de se viver!
Há toda uma canção sinfônica nos pingos de chuva que acariciam
As flores e as folhas das árvores,
Os telhados e as paredes das residências familiares,
As janelas fechadas das catedrais e dos apartamentos,
O asfalto e a terra adâmica que acolhem sementes e corpos e a chuva,
Germinando às vezes goteiras e sussurros de verdes esperanças,
Nas flores que exalam o fulgor de novos dias
[E gera a supressão temporária de alguma dor na alma!
Germinando sempre uma coisa ou outra
Nos dias que rufam em nossos ouvidos deveres e horas,
Nas horas em que os desejos e as responsabilidades parecem não se comunicar.
E nesse espetáculo bucólico, pluvial, absurdo, cotidiano e vital
Os olhos comungam alguma sacralidade ou simplicidade
com toda a dimensão dessa chuva sublime e solitária,
E o coração acelera feliz, atônito e meio chuvoso,
E as lágrimas correm, inefáveis, pelas estradas ardilosas do rosto
E lavam e purificam algumas angústias e dores
De toda uma vida humana antes nublada, sacrificial, infértil e efêmera,
E desperta-se no coração um silente arco-íris
[Acima dos montes, prédios e pontes!
E a Vida, como sempre, recomeça...