ANTIAUTOMUTILAÇÃO
NOTA: a juventude é a voz do mundo, posto que muito se cala por não perceber ouvidos que possam servi-la como abraços aos seus gritos silenciosos. No espaço tão diminuto que é a sala de aula, dentre trinta e cinco a quarenta adolescentes, pode haver braços marcados e feridas não cicatrizadas. Pior que isso: pode haver feridas brotando. Ouvir os jovens é tão necessário quanto é imprescindível matar a fome no mundo. O poema foi construído coletivamente, por intermeio do diálogo entre professor e alunos do nono ano do ensino fundamental. Os silêncios juvenis tornaram-se vozes escritas, desabafos e esperança: a poesia como uma luz no fim do túneo.
Eu sou a ponta da navalha
— a dor que não dói
Eu sou o tiro sem metralha
— o desamor que destrói
Eu sou a dúvida que aflige
— o medo do novo
Eu sou o bullying que agride
— a solidão entre o povo
Eu sou a desface da noite
— o obscuro dos céus
Eu sou a surra sem açoite
— a pele sem véus
Eu sou a ânsia de ser
— a insegurança de andar
Eu sou o ver e o não ver
— o por dentro gritar
Eu sou a ausência dos pais
— a escola que não vê
Eu sou o grito por Paz
— o meu medo de ser
Eu sou o silêncio do corte
— o desafeto no lar
Eu sou o risco da morte
— a vontade de amar
Eu sou a fuga enganosa
— a maldita incerteza
Eu sou a lâmina maldosa
— vitimada pureza
Eu sou o grito sem fala
— a flor que murchou
Eu sou o gemido que cala
— o amor que não amou
Eu sou ferida que fere
— o coração desnutrido
Eu sou poeta sem pele
— o colo requerido
Eu sou o trauma que fica
— o sangramento sem dor
Eu sou o corte na alma
— a dor sem clamor
Eu sou a juventude perdida
— o abraço acolhedor
Eu sou a juventude esquecida
precisando de AMOR.
(GONDIM, Kélisson. Antiautomutilação. GONDIM, Kélisson (Org.).
In: Vozes Perdidas no Tempo. Brodowski: Palavra é arte, 2020, p. 162-163. ESCRITO EM 2018).