DEIXA-ME MAIS UM POUCO

(Cena de um velho que não percebeu a idade chegar)

a) Vilson Dias Lima

Oi, vida, para onde estás indo?

Para onde queres me levar?

Para bem ali pertinho de Deus

Onde com outros Ele está?

Agora não. Precisa não

Tenho ainda de ir ali.

Ainda não estou cansado

De ouvir vento na mata cantando

Nas ondas do mar em balanço

Ao compasso da valsa dançando

Deixa-me mais um pouco.

Agora não.

Deixa-me mais um pouco

Não me cansa ouvir o choro das netas

Tal qual canto das aves ao alvorecer

Deixa-me aqui por mais um pouco

Deixa-me ver o sol se esconder

Brincando com a lua prateada

Foram poucas as vezes que vi

Foram poucas as vezes que dei atenção

Foram poucas as vezes sentidas

Agora tenho tempo para contar

E não cansar de contar

Se muito não for pedir

Vida, deixa-me mais um pouquinho

Apenas enquanto eu possa perceber

Que o mundo caminha diferente

As crianças brincando de esconde-esconde

Correndo em batalhões sem vencedores,

Famintas apenas de abraços entrelaçados

Sem, em troca, nada suplicar

Invejados pelo homem grande

Cambaleados feridos, caindo, caindo, caindo

Sem parar

Oi Senhor dai-me mais um pouco

Esqueci de viver o meu tempo

Não percebi o tempo dos outros

Poucas vezes estendi as mãos para dar

Muitas vezes aos céus apenas para pedir

Quase nunca para agradecer

Deixa-me ouvir mais um pouco

O canto do silencio deste mundo imundo

Que a tantos faz chorar

Não sabendo dos porquês.

Com um pouco mais de tempo, quem sabe

Um pouco mais eu possa dar

... Deixa-me mais um pouco

Fortaleza, 11 de fevereiro de 2022