VÍTIMA DE MIM MESMO
Vitimado pelo meu eu desanimado
Vitimado pela minha falta de vontade
Vitimado pelo meu desejo frustrado
Vitimado pela minha incapacidade
Vitimado pelas derrotas que sofria
Vitimado pela minha preguiça
Vitimado pela falta de sabedoria
Vitimado pela falta do senso de justiça.
Tudo que fazia era pra mim sacrifício
Sacrificava-me por levantar da cama
Sacrificava-me por realizar um ofício
Que fosse varrer ou aparar a grama
Que fosse lavar ou enxugar prato
Que fosse manual ou tarefa mental
Em tudo sofria com espírito fraco
Como que minh’alma cravada por punhal.
A vida era pra mim como uma detenção
Sentia-me limitado por uma cela
Eu mesmo era o carcereiro durão
Eu mesmo meu muro e sentinela
Minha sentença era a infelicidade
O julgamento fora só de acusação
Cumpria uma perpétua penalidade
Habeas Corpus eu não pedia não.
Vivia como algemado e acorrentado
Uma bola de ferro presa ao meu pé
Não dava um passo senão arrastado
Não agia como pessoa livre qualquer
Meus olhos inteiramente vendados
Minha boca inteiramente amordaçada
Não via nada à frente nem dos lados
Minha língua ao palato estava colada.
A luz que me iluminava era a escuridão
O gosto que sentia por demais amargo
O cheiro era de cadáver em putrefação
Som em meus ouvidos: grito sem embargo
Minha voz estava reprimida na garganta
Em minha mente imagens deturpadas
Sensação de morte no peito se agiganta
E o coração é traspassado por espadas.
Mas quebrar a gaiola se fazia urgente
Liberar as asas, ganhar espaço, correr
Encarar o ar que assobiava gentilmente
Como me dizendo que eu devia escolher
Entre padecer no leito frio da tristeza
Ou entrar no avião que estava pra decolar
E voar rumo a um destino de incerteza
Apenas com a esperança de bem pousar.
Percebi que boa parte dependia de mim
Cultivar chateações e tantos rancores
Ou replantar coisas boas nesse jardim
Colher folhas secas ou perfumadas flores
Passar fome de vitórias ou saborear o fruto
Que cresce e amadurece na árvore da vida
Recusar da existência o suculento produto
Ou degustar minha jornada como boa comida.
Aberio Christe