AINDA ME RESTA UM VERSO
 
Não sobrou nenhum fragmento do espelho
Nenhum pedaço dos olhos ou dos lábios secos
Daquele rosto desalinhado.
 
A porrada foi certeira e sangrou a ponta da mão
Doeu mais em mim que na imagem
Mas vai passar, vai passar, eu sei.
 
Quando aquela bendita mulher foi embora
Levou-me consigo.
 
Olho pela janela e a lua sobre o prédio mais alto
Vulto de concreto neste meu mundo pantanoso
Meu velho caderno de poemas, obra inconclusa
E rabiscos da adolescência enterrada no fundo do cérebro.
 
Não sobrevivo nem mais um dia pelo que sinto
Não reconheço a alegria no quadro que pinto
Vem de dentro, erupção de um obscuro instinto.
 
Um soco pulsante quebrando os meus ossos
Meu ser, meus sentidos e tudo o que ainda posso
Uma flor que não viceja, uma luz que não lampeja.
 
Depois que aquela maldita mulher foi embora
Eu nada mais consigo.
 
Olho entre as lágrimas e revivo páginas de uma vida
Luar distante e barulhos de uma cidade dilacerada
Meu velho corpo desleixado como obra inconclusa
Mas
Ainda respiro em busca da próxima linha,
Ainda me resta um verso.

 
 
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 24/09/2021
Reeditado em 24/09/2021
Código do texto: T7349746
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