TRAVESSIA
Não posso mais apertar a mão do amigo, abraçar sua alegria, afagar sua
tristeza.
Não posso mais refrescar a garganta, aquietar a alma no saboroso bar do
encontro, nem contemplar os momentos poéticos nos saraus da noite
adocicada pelo paladar da arte.
Ela vê da janela do prédio a rua vazia e soturna, não há tédio em seu olhar,
o lar que habita com sua família, não é luxo nem palafita, a maior riqueza é invisível aos olhos do dinheiro;
a luz que os ampara é fraterna na vastidão solidária dos lares,
combustível necessário pra gerar força motriz e fechar a ferida.
Mesmo que nada seja como antes, a normalidade do ontem se oxidou.
É hora de olhar sincero e sorriso aberto.
Deixar pra trás tudo que exauriu a natureza generosa do ser.
Abandonar o consumo excessivo refletido no olhar obsceno da vaidade.
Revitalizar a força enfraquecida pela ditadura do poder.
Reciclar o lixo que enche nossos rios de lágrimas.
Fechar a conta e expor na vitrine da consciência.
É hora de apagar os passos enferrujados do passado e brilhar na passarela do
amanhã, sob os aplausos da superação.
Deixar o arco-íris de enganos da certeza se hidratando no deserto impetuoso
da dúvida.
Mais adiante, depois das pedras, avista-se o mar refletindo o belo espelho azul
do céu.