Mãe
Enquanto flutuo no espaço solto, airoso, meus pés compassam em dança leve. Penso que todas as tardes assim deveriam ser: sol pintando a parede em âmbar, silêncio das folhas, canto dos periquitos, alma lavada e em solitude nova. Em meus sonhos de menina assim quis, esses dias com gosto de tudo, sentir a vida se passar densa junto com o tempo, me fazendo viver, sentir cada poeira jazer nos móveis, ver elas invadindo meu quarto pela janela, bailando sem rumo, fitar os coqueiros silhuetados pelo pôr da estrela. Ah, Deusa! Dai-me mais dias como esses, em que eu sinta que posso morder o mundo em uma só dentada, ele em minhas mão, sou dona de tudo, menina do universo, Pachamama provisória. Minha cor é terra, meu coração é lua; conheço-me a cada dia e me gosto, me admiro como uma pintura milenar, meu passado eu contemplo e agradeço. Todos os dias deveriam ser assim, clamo, pois a melancolia vem junto com a noite-breu, me perco em tanta poesia e tudo me faz triste, pois sei que nasci de desilusões perversas e minha’lma já é condenada. Sei que tu já me fizeste mulher, maiores das bençãos, mas me faz um pouco mais, um pouco mais.