Espelho pandêmico

Na linha tênue entre a vida e a morte,

a humanidade se deparou com um espelho

Com o tempo espraiado em quarentena,

olhou a própria imagem e se descascou

Camada após camada, encontrou a si mesma

e o que abandonara nas sombras

O invisível na rotina, o diluído no hábito,

tornou-se necessário como o ar:

o outro, a presença, o abraço, a proximidade,

a vida, toda ela, cada parte dela

De seu espelho, a humanidade chorou mortes,

taxas, leitos, túmulos e caixões

Admitiu a verdade escancarada da imagem

de sua pequenez e de sua grandeza

Notou olhos apenas, sem rosto;

e, sob máscara protetora, não viu nariz e boca

Na nudez do reflexo, assustou-se com o chão,

veloz e friamente, engolindo corpos

Da visão alargada, admirou um planeta doente

com rebentos de manchas vermelhas

A humanidade se prostrou com o espelho nas mãos

e derramou lágrimas de por quê

Não entendia por que pessoas queridas

se foram para sempre sem um digno adeus

por que com ele, com ela, por que dessa alma rasgada,

desses dias que não passam

Quis quebrar o espelho, forjar normalidade,

desafiar a morte e arriscar o que restou

Mas com camadas reveladas, voltou olhos plangentes

para o alto e bebeu esperança

Da esperançosa imagem, a humanidade viu

a alvura da fé idosa numa praça deserta

Também surgiram, de seu reflexo,

mãos solidárias levando fôlego a ares da miséria

No fio da esperança, o espelho refletiu

brancos e exaustos uniformes persistindo vida

A humanidade esboçou um sorriso

ao se perceber maior que o vírus, que a pandemia

Viu a verdade de si mesma e chorou feliz

por encontrar, em sua essência, o amanhã

Osvaldo Júnior
Enviado por Osvaldo Júnior em 30/06/2020
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