EM PRIMAVERA HAICAI
Os meus sonhos, a voar
Num céu livre por aí,
E eu a esperar aqui.
Os meus passos de outrora,
Com mil ilusões perdidas,
De luz e fé renascidas.
Pássaro, qu´ antes da aurora
Me despertas a cantar,
Pingos de água a gotejar.
Já se foi a madrugada,
Pela escassez do orvalho
Há uma ânsia de trabalho.
O moinho está desperto
E ensaia o ardor das mãos
No espanejar dos grãos.
Trigo louro, trigo manso
E o forno à sua espera
Nas bocas duma quimera.
Há corpos esfomeados,
Estranhas encruzilhadas
Nas lágrimas espalhadas.
Tanto suor, tanto suor
E nenhum fruto da jeira,
Para quê a sementeira?
Em Primavera haicai
Há horas e dias de bruma
Numa vida feita espuma.
Como é grande a fantasia
Desenganos em corrupio,
Quem sabe s´ ao desafio.
E neste cais de embarque
Dormem malas de cartão
Mas ventos propícios, não.
Ó da guarda, ó poetas
Co´ as musas em quarentena,
Por onde anda a vossa pena?
P´ la rua, atapetada de vírus,
Vai voar, batendo as asas
E, quem sabe, sobre brasas…
É triste esta ansiedade,
Quer de noite, quer de dia,
Ainda resiste a Poesia.
Se ouvires bater à porta,
Será vírus, será gente?
Actua como quem sente…
Se conheces… ainda vá,
Mas se não… passe adiante.
Já basta o inferno de Dante.
Sursum corda, minha gente:
O silêncio quase qu´ impera
E a dor nunca foi Primavera.
Venha daí a Esperança
E … fora com os desamores…
Mude-se as lágrimas em flores!
Frassino Machado
In “Instâncias de Mim”