EM PRIMAVERA HAICAI

Os meus sonhos, a voar

Num céu livre por aí,

E eu a esperar aqui.

Os meus passos de outrora,

Com mil ilusões perdidas,

De luz e fé renascidas.

Pássaro, qu´ antes da aurora

Me despertas a cantar,

Pingos de água a gotejar.

Já se foi a madrugada,

Pela escassez do orvalho

Há uma ânsia de trabalho.

O moinho está desperto

E ensaia o ardor das mãos

No espanejar dos grãos.

Trigo louro, trigo manso

E o forno à sua espera

Nas bocas duma quimera.

Há corpos esfomeados,

Estranhas encruzilhadas

Nas lágrimas espalhadas.

Tanto suor, tanto suor

E nenhum fruto da jeira,

Para quê a sementeira?

Em Primavera haicai

Há horas e dias de bruma

Numa vida feita espuma.

Como é grande a fantasia

Desenganos em corrupio,

Quem sabe s´ ao desafio.

E neste cais de embarque

Dormem malas de cartão

Mas ventos propícios, não.

Ó da guarda, ó poetas

Co´ as musas em quarentena,

Por onde anda a vossa pena?

P´ la rua, atapetada de vírus,

Vai voar, batendo as asas

E, quem sabe, sobre brasas…

É triste esta ansiedade,

Quer de noite, quer de dia,

Ainda resiste a Poesia.

Se ouvires bater à porta,

Será vírus, será gente?

Actua como quem sente…

Se conheces… ainda vá,

Mas se não… passe adiante.

Já basta o inferno de Dante.

Sursum corda, minha gente:

O silêncio quase qu´ impera

E a dor nunca foi Primavera.

Venha daí a Esperança

E … fora com os desamores…

Mude-se as lágrimas em flores!

Frassino Machado

In “Instâncias de Mim”

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 22/03/2020
Reeditado em 22/03/2020
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