PRIMEIRO ATO
Mais um minuto e este poema não sairia
- de ti que foste um grande poeta em vidas passadas-
e aprendeste que a morte, a derradeira morte,
já se perdeu em todas as artes,
na música, no teatro, na poesia:
“A Morte nem sempre rima,
às vezes é pesada, dobradiça,
leve, movediça”.
Então porque exigir
outra coisa da sua face,
que só se expõe em mistério,
debaixo de um luar quarto-minguante?
Quantas pendências sem fim ...
E quantas questões não arranjaram para João,
ele se finou por um câncer no pâncreas
e queria ter tido como epitáfio apenas a frase:
“preferia um aneurisma, daria menos trabalho”
Mas saiu o exagero:
“Dourados são os montes
e lindos são os lírios do Paraíso”.
A morte possui apenas constância,
do seu martelo bem martelado
e tanto martela para se tornar também
um pau que nasce torto,
o cedro-rosa que despenca no meio da avenida,
uma eventualidade encravada pela dor.
(Foi eventual a morte pela tuberculose
no século dezenove,
é eventual a morte atual
pela arma do traficante,
pela bomba do terrorista
pelos vírus com cara de macaco).
A morte no final, para alcançar algum sentido,
é um modo de descobrir o ponto
da façanha da vida
apresentada em pequenos atos:
o pinote do peixe na rede do pesqueiro;
a intuição do boi antes do abate,
a respiração de Marlene
dentro da incubadora avariada.
A façanha da vida coincide diariamente,
se mantém em uma forma básica,
onde crianças podem sorrir.
DO LIVRO:"ADVERSOS E OUTROS POEMAS"
* Este poema é de julho de 2015