A corrida para a vida


E quantas vezes, chegando ao fundo do poço,
Cavaste um bucado mais?
Remontando seus cacos de dignidade
já com braços cheios da mísera honra que te sobrou?
E mesmo assim, cavando tão fundo, recorrias tu ao mesmo poço uma vez mais,tal como um visitante incessante do seu próprio ritual.
Tentas respirar o ar puro, mas já é a narina que lhe falta ao olfato das coisas sutis.
Tentas ser feliz, mas a sonora palavra tão repetidamente dita não passa de um jargão.
Acendes as luzes do porão em que se encontra sua mente e lá estás tu, cansado, dormente,entregue ao senhor vão, que nomeaste assim mesmo sabendo que em verdade o que te acompanha é pura solidão.
Olhas para o céu e tens medo ainda que o dia surja cedo,
e que noite demore a se anunciar.
Rezas aos Deuses pedindo ao mundo que pare e gire ao contrário,
quem sabe assim sua vida mude o itinerário.
E da amargura de coisas tão espessas paire um paz singela e derradeira a atravessar seu corpo, qual luz a penetrar no barro cinzento cintilando o que havia de mais opulento.
Pensas num colo, numa mão a te guiar.
Pensas em ser mãe para gerar a quem amar de tabela,
logo és barrado pela biologia que te fez homem, te fez varão, terás tu que lidar com a dor do coração sem jorrares por fora, sem demonstrares um só lamento.
Serás tu seco por dentro e, ainda assim, terás que te levantar.
Com as pernas que tens, porás em movimento uma após outra, como
numa sinfonia de gente louca, pondo-te a correr como um animal cheio de medo.
Pensas com sabedoria, que nem mesmo o pior dos dias é capaz de parar
aquele que se pôs em movimento.
Ouves portanto, o velho poço a te chamar, carregando resquícios de tua alma
lamacenta que vai se esvaindo enquanto corres.
Teus passos são tão rápidos, teu mover tão tenaz que de repente
tornas a sentir os cheiros do mundo.
Teus cabelos, agora esvoaçantes, brincam com a relva em igual movimento.
Começas a sentir que por dentro teu peito cintila e o sangue, ávido por circular as veias, acelera sua pulsação e aquele oco antes tão vazio
ouve rufar um coração.
Entendeste por final, o mistério das coisas paradas a viver estagnadas,
cada qual com sua própria nominação.
Uns a chamam medo, outros solidão.
Eras tu somente uma alma dolorida que foi chamada à corrida e decidiu por ficar.
Sabendo agora das rodas do mundo,
vibras nas ondas mais belas e te demoras somente em amar!
 
Carlos SJ
Escritor, Psicólogo, Músico
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