CÁRMEN CINIRA, VOLTOU*...
Minha Luz
Eu era a Dor, a alma rubra e inquieta,
A pomba predileta
Do prazer, da ilusão e da alegria...
Meu coração, alegre cotovia,
Saudava alvoroçado
O segredo da noite e a luz clara do dia,
Quando chegaste de mancinho,
Pisando sutilmente o meu caminho...
E eu me enxerguei, despreocupada,
Em meu engano, em minha fantasia:
Primeiramente,
Foste, austera e inclemente,
A um dos belos tesouros que possuía
E mo roubaste para sempre...
E mo roubaste para sempre...
Em fúria iconoclasta,
Como o simum que arrasta
As cidades repletas de tesouros
Confundindo-as no pó,
Foste aos meus ídolos mais caros,
Destruindo-os sem dó.
Prosseguiste, ó divina estatuária,
Na sua obra silente e solitária,
E quebraste
Minhas cítaras de ouro,
Meus mármores de Paros,
Meus cofres de alabastros,
Minhas bonecas de biscuí,
Minhas estatuetas singulares...
E humilhaste
Meus sonhos de mulher e de menina,
Que eu pusera nos astros
Em meio às melodias estelares!
Mas desde que chegaste,
Foste a sombra divina
Que acompanhou meus passos no sepulcro...
Tudo sofri,
Ó dor, por te querer,
Porque depois que vieste
Qual pássaro celeste
Para abrir rosas de sangue no meu peito,
Encheste a minha vida
De um estupendo prazer, quase perfeito!
Aos poucos me ensinaste a abandonar
Meus prazeres fictícios,
Trocando-os pela luz dos sacrifícios!
Por tudo eu te bendigo, ó Dor depuradora,
Porque representaste em meu destino,
De alma sofredora,
O fanal peregrino
Que me guiou constantemente
Através das estradas espinhosas
Para as manhãs radiosas
Da Luz Resplandecente...
Sê, pois, bendita, ó Dor linda e gloriosa,
Pois da volúpia estranha de seus braços,
Vim pelas mãos da morte complacente
Para a vida sublime dos Espaços!..
CÁRMEN CINIRA
“Nome literário de Cinira do Carmo Bordini Cardoso: nasceu no Rio Janeiro, em 1902, e faleceu em 30 de agosto de 1933. Sua espontaneidade poética era tão grande que ela própria acreditava serem os seus versos, de origem mediúnica. Glorificou o amor, a renúncia, o sacrifício e a humildade, em obras como: Crisálida, Grinalda de Violetas, Sensibilidade.”
*Do livro Parnaso de Além Túmulo, psicografado pelo médium Francisco Cândido Xavier, é uma coletânea de 56 poetas e poetizas que voltaram através de suas abençoadas mãos: para dar um louvável testemunho, que a “morte” não é o fim, mas tão somente o retorno de nossa pátria de origem, a dimensão mais sutil da “matéria”... A mesma autora deixou neste livro mais sete poesias.
Curitiba, 11 de outubro de 2016 – Reflexões do Cotidiano – Saul
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