Até Depois do Fim do Mundo
Hoje vi de perto o demônio que sempre tentou me destruir ao longo de doze anos.
Hoje a reconheci de costas e ao se virar me encarou com seus olhos anormais, grandes com ar de ironia e deboche.
Sua presença outrora sempre fora uma grande ameaça, mas hoje ela era uma mera estranha perdida num jardim de luzes falsas e concreto.
Não havia mais medo, não existia mais mágoa ou qualquer rancor.
Enxerguei pela primeira vez aquela criatura patética e egoísta como seu pai, de aparência estranha, acima do peso, de corte de cabelo bizarro e roupas nitidamente ridículas, para não dizer cômicas.
Foi como ver um palhaço em um desfile militar, como ver somente os espinhos de uma rosa murcha e apodrecida.
A encarei e senti o alívio explodir em meu peito, apesar de seu ar de audácia tentantando aparentar poder e superioridade.
Hoje me senti livre de todo ou qualquer pesadelo.
Ficou somente a sensação da estupidez de não ter me sentido assim desde o princípio, desde o primeiro dia que me deparei com aquele monstro devorador de sonhos.
Enfim a liberdade, enfim posso voar, enfim posso seguir de mãos dadas com quem está ao meu lado longe de tal criatura e suas sombras genitoras.
Hoje encarei somente um cadáver de algo que talvez nunca tenha existido. Aquela sombra negra com cheiro de morte.
Estou vivo
Estou livre
Estou a salvo
Minha dívida e provação foram pagas
Finalmente posso seguir e sorrir até depois do fim do mundo sem cair uma única vez, sem receio de olhar para frente deixando tudo de ruim e cheio de ruínas para trás.