ALJÔFARES & MAIS

ALJÔFARES & MAIS

Novas séries de William Lagos,

26 de julho a 4 de agosto 2015

ALJÔFARES I – 26 JUL 15

(Pérolas miúdas, usadas em bordados)

Dedicado a Pérola Bensabath Oiye

NA LAGOA DOS TEUS SONHOS

VOU PESCAR UM CARAMELO

A ISCA SERÁ UM CHINELO

O ANZOL VERSOS BISONHOS

A VARA SERÁO RISONHOS

SENTIMENTOS DE UM ADELO

VELHAS ROUPAS DE UM CASTELO

SEM PESADELOS MEDONHOS

VOU ENTRAR PELOS TEUS OLHOS

VOANDO EM PAR DE ALPARGATAS

E À MARGEM ME SENTAREI

DA LAGOA NOS REFOLHOS

DE TEUS CABELOS NAS MATAS

E TEUS SONHOS PESCAREI

ALJÔFARES II

PELA DERME DE MEUS DEDOS

TOMAREI UM CARACOL

NAS UNHAS TRAGO UM ANZOL

A PESCAR OS TEUS SEGREDOS

TOMO DA LUA OS ALBEDOS

PARA BORDAR PARA-SOL

E VOU FISGAR O ARREBOL

NA ISCA DOS SONHOS LEDOS

MEUS ALJÔFARES NÃO CEDO

AO SABOR DO ROUXINOL

A LUA CHAMANDO O SOL

PARA REPETIREM CREDO

BLASFÊMICO DE SANTERIA

TRAVESTIDA EM HOMILIA

ALJÔFARES III

E NESSE QUADRO ASSOMBRADO

DE TAL OFENSA ABISMAL

NO ABISMO DA OFENSA TAL

DESSE ASSOMBRO REQUADRADO

PELA VISÃO PERTURBADO

POR CONTATO SEMINAL

POR SEMENTE CONTRATUAL

POR DISTÚRBIO AVELUDADO

NESSE CANTO EMPOLEIRADO

COMO VI O ROUXINOL

NAS MADEIXAS DOS CABELOS

DE OUSADIAS CASTIGADO

QUEIMADO NESSE FAROL

DOS OLHOS TEUS SÓ DE VÊ-LOS

ALJÔFARES IV

NA FRÁGUA DESSA ILUSÃO

JUNTO À MARGEM DA LAGOA

MEU PRÓPRIO SANGUE SE ESCOA

EM BREVE COAGULAÇÃO

PENDURADA EM ALÇAPÃO

MINHA SAUDADE REVOA

“Joaninha, vai pra Lisboa,

das perdizes que lá estão,

para roubar três ovinhos,”

SEM DAR DO JUIZ À FILHA,

MAS GUARDANDO PARA A FÉRULA

NUM CESTINHO DE CARMIM

QUE ENTEGAREI PARA PÉROLA

COM OLOR DE BENJOIM

SUFLAR DO VENTO I – 27 JUL15

Às vezes, tudo apenas é questão

de contar uma história. A gente fica

envolvido em narrativa que se imbrica:

deixa a corrente escorrer do coração.

As frases fluem naturais, então,

em questão de minutos já se explica

o que se quer dizer e tudo indica

que faz sentido a mentirosa narração.

Outras vezes, no entanto, meramente

a gente encalha numa difícil rima;

não é que o tema seja peremptório,

mas a palavra certa, realmente,

não se pode trocar e a frase se ilumina

e se retorce no espanto do ilusório.

SUFLAR DO VENTO II

Mas nem sempre uma história satisfaz,

quer seja bela ou pura malquerença,

quer bem real ou feita só de crença,

melíflua ideia ou informação veraz.

Para o alguidar certa emoção se traz,

a misturar do jeito que se pensa

que para outrem possa ter valença:

verso é cardápio exposto num cartaz...

Ninguém precisa tais pratos aceitar

(Talvez prefira tão só refrigerante)

se enxerga excesso de condimentação.

Fica a canção então a se azedar,

sem que ninguém a queira ver adiante,

pela dose excessiva de emoção.

SUFLAR DO VENTO III

Mas de outra feita os ingredientes se apresentam

no grau exato que apraz ao paladar:

sequer a gente os precisa misturar,

já vêm perfeitos dos jarros em que aquentam.

Os condimentos em nada te apoquentam,

são justamente os que queres mais provar,

o verso é teu, sem sombra ou duvidar,

vem em bocados puros que te alentam.

Pois seja o verso um quitute de ocasião,

bem apropriado a teu próprio apetite,

sem nem esforço de adicionar colher

de palavra com rima à perfeição,

mas tão somente a imagem que te incite

a devorá-lo do jeito que se quer!...

ADAGAS DE BARRO I – 28 JUL 15

pois me vou pintar de barro

do jarro de meus sonetos,

achando tons mais secretos

no saibro desse meu jarro.

vou me debruçar no tarro,

nos mergulhos mais completos,

achando mesmo em dejetos

melhor imagem que agarro.

que então ponho na bandeja,

melhor feição a compor,

que não fora feita antes,

mosaico sem ser de igreja,

um pranto sem qualquer dor,

melodia sem ter dantes.

ADAGAS DE BARRO II

e retiro às colheradas

saibro já endurecido

em mil tésseras perdido

nas cores mais alternadas,

para serem aplicadas

nesse canto já esquecido

sobre o membro já ferido

das emoções machucadas.

aos poucos, surge tua face,

sugando teu chimarrão

e teus olhos ali estão,

rebrilhando nessa classe

como a antiga geração

que no teu rosto refaz-se.

ADAGAS DE BARRO III

na pauta do sofrimento

a palavra desolada

faz-se assim determinada

à conquista do momento.

expandindo o desalento,

em versão alcandorada,

faz-se a palavra dourada

no instante do nascimento.

e tais tésseras de terra, (*)

forjadas de meus anelos

pactuam-se em castelos,

ocupando longa serra

dessa cordilheira imensa

de vasta quimera intensa.

(*) Pedrinhas coloridas empregadas nos mosaicos.

ADAGAS DE BARRO IV

pois já me serviu de tema

para meu verso escorrido

barro pobre recolhido

tornado férreo de algema;

cada pedra fez-se em gema,

no meu peito concebido

o calor do âmbar perdido

na confusão de um poema;

todo verso apenas barro,

tramado num carretel,

dissolvido num cadinho (*)

(*) Vasilha para derreter ouro ou outros metais.

nesse canto em que me esbarro,

pandorga sem ouropel,

meigo sonho pequeninho.

PASSOS NA ESCADA I – 29 JUL 15

Tenho um quarto no teto do sobrado,

O sol escorre por duas das paredes;

Numa terceira réstia apenas vedes,

O último muro por outro quarto limitado.

Quando sou pelo calor assoberbado,

Abro portas e janelas para as redes

De qualquer vento inconsútil que nem medes,

Mas que do forte sol deixa aliviado.

Porém no inverno, já me ocorre um brio insano:

Janela e porta fecho e me impaciento

Do redemoinho que a meu redor espio,

Dança constante desse frio minuano,

Secando os peitos no assobiar do vento,

Molhando as costas no escorrer do frio...

PASSOS NA ESCADA II

Fechada a porta, como em puro desacato,

Ouço passinhos cruzando o meu gradil

E então miados de insistência mil,

E à insistência cedo e não combato.

Então chega a me abordar o peitoril

Sua Excelência, Dom Arthur, o gato,

Extenso manto bicolor, em nobre fato

E me encara no fulgor do seu anil...

Então pula para o chão e me comanda

Alas abrir-lhe nos seis metros de meu quarto,

Que a porta abra para Sua Excelência;

Quiçá tonto de sono, a ordem nefanda,

Do ventre dos lençóis faço meu parto,

Mais pelo incômodo que por qualquer clemência!

PASSOS NA ESCADA III

O problema é que, daí a meia-hora,

Satisfeito o apetite e morta a sede,

Retorna o gato e seu miar não cede,

Até que a porta lhe abra como outrora!

E majestoso percorre, nesse agora,

Os seis metros à janela... E não me pede,

Mas ordena que o livre de minha rede:

Vai-se o calor recolhido nessa hora!...

E lá estou eu, a abrir-lhe minha janela;

Ele me encara e agilmente pula,

Sem temor o gelor da madrugada...

E nessa meia-hora, triste estrela,

Em que o gato satisfaz sua longa gula,

Fico no aguardo dos passinhos pela escada!

INCAUTO I – 04 abril 07

Descerro grandes olhos para o mundo,

surpreso ainda, após sessenta anos,

ainda mais enquanto sigo enganos

a cometer, alguns do mais profundo

teor... Outros, apenas indolentes,

ou erros leves, fáceis de perdoar,

tais quais nos outros costumo desculpar,

embora em mim não sejam tão frequentes.

A minha sorte é que, ao longo de minha vida,

eu aprendi a conhecer minhas falhas,

para não repeti-las, dia a dia...

Usei de minha experiência; e dou guarida

apenas a erros novos, cujas malhas

até o presente inda não conhecia...

INCAUTO II – 30 JUL 15

A vida sempre guarda uma armadilha,

uma tocaia de meneio inesperado,

qualquer mal à nossa espreita, inusitado,

qualquer nequícia impiedosa que nos pilha.

Embora seja da realidade a filha,

cada experiência sempre encontra outro recado,

alguma forma de nos chegar ao lado,

qualquer atalho de insuspeitado trilho.

Quando se fala em “paz e segurança

é que nos chega repentina destruição,”

tal qual nos adverte a salmodia

e a alma pura permanece qual criança,

pois mesmo achando do problema a solução

sempre depara um golpe novo na sua via.

INCAUTO III

Por isso os olhos descerro para a vida,

sem repetir os mesmos erros do passado,

pois na memória cada um se acha gravado

e me previne antes da falta cometida.

Mas tanta gente, perante a falha repetida,

diversa pensa ser do relembrado

e comete justamente o acostumado,

na segurança de vitória concebida.

A gente pensa que esse aviso da memória

chega por nova nuance colorido

e não precisa receber nossa atenção,

no velho engano repetido pela história,

que tantos males ao mundo tem trazido,

por malícia, por incúria ou desrazão!

INCAUTO IV

Vezes existem em que repito enganos,

mas quase sempre os sei reconhecer,

antes de neles me comprometer:

poça de lama que conduz aos danos...

Pois já aprendi com tantos desenganos

e a maioria não tornou-me a acometer,

mas sempre novos vem-me surpreender

e me revestem com ardilosos panos.

O que eu desejo, amiga, para ti,

é que consigas igualmente perceber

essa armadilha que te busca dominar;

lembra dos golpes que já sofreste aqui

para suas pérfidas amarras desfazer,

antes que possam tua mente devorar!

PÁSCOA I – 06 ABR 15

Houve um tempo em que a Páscoa nos lembrava

a vitória de um Cristo ressurgido.

O mundo inteiro num mistério ungido,

a igreja inteira que amor santificava...

Houve um tempo em que a família se encontrava

diante do altar daquele sonho antigo,

em que Jesus era descrito como amigo

e a velha história em hinos se cantava...

Mas hoje transformou-se a sagração.

Mudou-se a data e um novo ideal surgiu.

Tornou-se a festa rebrilhante do papel

de chocolate, na comercialização...

Hoje o Coelhinho da Páscoa ressurgiu,

pois nele reencarnou Papai Noel!...

PÁSCOA II – 31 JUL 15

Do chocolate a glorificação,

para às caries certamente dar apoio;

já foi trocado o trigo pelo joio,

muito difícil combater essa noção!

Antigamente, outra celebração

era comum entre os povos europeus:

pintavam ovos para os filhos seus,

que os procuravam com grande animação!

Mas eram ovos cozidos, tão somente,

e o simbolismo conduzia à vida:

mais alimento dado a tais crianças,

que festejavam o tesouro, certamente,

achado em bulha e muito alegre lida

por entre as moitas, renovando as esperanças!

PÁSCOA III

Hodiernamente, nem recorda a maioria

a velha história da ressurreição,

por entre as ganas da comercialização,

a se comprar o quanto o bolso permitia

e a devorar esse cacau que reluzia

por sob os ouropéis em ocultação,

pobre alumínio em lâmina que vão

dilacerar tão logo a gula assim queria!

Os fragmentos de fólio colorido

a descartar já pelo dia seguinte,

enquanto as lojas faziam o balanço

e calculavam qual seu lucro que, auferido,

permitirá renovar esse requinte

já no próximo feriado, sem descanso!

PÁSCOA IV

Não é que eu pretenda coibir

esse costume. Também já fui criança

e gozei do chocolate sua bonança,

dos ovinhos pouco a pouco a me nutrir...

que guardava em uma latinha, a permitir

que durasse muito tempo essa poupança;

mesmo passado, o chocolate não nos cansa,

prova de um vício certamente a nos possuir...

Mas nesta data preferia relembrar

que a Santa Páscoa é a celebração da vida

e não tal puro e simples consumismo,

sem às crianças o prazer querer negar,

mas o comércio insiste em dar guarida

a tal coelhinho nutrido em seu fascismo!

TRÂNSFUGAS I – 13 ABR 07

Aqui estamos nós. Existe vinho

para abrir-nos as bocas e os desejos.

Revelar que queremos novos beijos

desfrutar, numa prova de carinho,

diferente daquele comezinho

com que nos acostumamos aos ensejos.

Animados de álcool, aos arpejos,

nos expomos junto a quem está vizinho.

Sempre disseram que a verdade está

no vinho; e que somos mais sinceros

quando esquecemos tais inibições.

E é o vinho que nos leva para lá,

pondo de lado costumes mais austeros,

com que nos faz gotejar os corações.

TRÂNSFUGAS II – 1º AGO 15

E aqui estamos nós. A solidão

jamais cedeu perante esses costumes;

nossa tristeza ocultamos com tapumes,

falsa a alegria de tal celebração.

São mui poucos a alcançar a comunhão

do verdadeiro amor, dos puros gumes

que os corações nos abrem a seus lumes,

nessa partilha sincera da emoção.

De certo modo, o amor é uma traição

às práticas modernas deste agora,

pois trocamos de bandeira nesta hora

e nos reunimos à pequena multidão

que igual amor encontra, realmente,

e nele banha o coração antes descrente!

TRÃNSFUGAS III

Antigamente, havia muitos mercenários,

até criarem os exércitos nacionais;

Napoleão o iniciador dos principais

regimentos a não lutar só por salários,

que se fizeram, a seguir, consuetudinários,

de um só povo as novas tropas naturais,

enfrentando a metralha e os temporais,

em formações de ideais comunitários.

Quando o contrato era apenas material,

ao descobrirem melhores condições,

era comum se passarem a outro lado

esses trânsfugas, sem lealdade natural,

que combatiam entre si sem ilusões,

só raramente algum sendo massacrado.

TRÂNSFUGAS IV

O mais comum eram serem aprisionados

e aceitarem transferir-se ao inimigo;

bem raramente corriam algum perigo

de serem após batalha degolados...

E hoje em dia, estamos mesmo acostumados

a abandonar um partido mais antigo

e facilmente seguir a um novo amigo,

quando interesses nos são despertados.

E nesta lealdade assim ausente,

tantos existem sem fidelidade,

prontos a trocas ao menor sinal;

quem observa a mudança assaz frequente,

até duvida de qualquer finalidade:

caleidoscópio sem qualquer moral.

MAGNETOS I – 15 abr 07

Já se aproxima o fim deste período

em que a dar aulas vejo-me forçado.

Já desgastei as solas do calçado,

a cada vez que a energia de meu díodo

me punha a desbastar. Nestes meus passos,

que sempre conduziram fielmente

de retorno a meu lar, nesta insistente

caminhada... Em que ando sobre os traços

fosforescentes de rastros desbotados

e atravesso por mim, como um fantasma,

pelos caminhos que tanto já cruzei...

Em que marcham mil de mim, engalfinhados,

nessa marcha em roteiros pleonasma,

de um ataúde em que a mim mesmo transportei!

MAGNETOS II – 02 AGO 15

De fato, logo após me aposentei,

deixando as aulas da universidade

e ao diminuir do caminhar a intensidade

não se passou muito tempo, que engordei...

Depois por mau regime até passei,

pelo drástico cortar da quantidade

dos alimentos e, no impulso da vaidade,

a minhas longas caminhadas retornei...

Porém sofri qualquer sarcopenia,

pois com os braços não mais trabalhava,

salvo em minhas continuas traduções

ou nos poemas que sempre redigia,

enquanto a massa muscular minguava,

sem perceber essas vastas mutações.

MAGNETOS III

As coisas tendem a atrair-se mutuamente;

quem trabalha com os braços, bem mais forte

vai ficando, enquanto amplia mais seu porte

e é mais potente quem amor faz mais frequente;

nossa memória se amplia, justamente,

quando exigimos dela que comporte

ainda mais informações, de sorte

que quanto mais se exige, mais se atente.

E quem mais reza, mais próximo se acha

da divindade a quem mostra o seu louvor;

ocorre o oposto com quem se embriaga:

quanto mais bebe, do corpo mais relaxa,

para o álcool dedicando o seu amor

a descurar de quem outro amor lhe traga.

MAGNETOS IV

E em tudo vê-se um tal magnetismo,

aprimorado pela força da atração;

quem mostra amor, amor lhe mostrarão;

quem somente pensa em si recebe egoísmo;

quem se mostra desleal verá o cinismo

e quem mostrar do ódio a aceitação,

será encarado com maior ostentação

pelo rancor contra seu solipsismo.

Mas quando a outrem mostrares teu calor,

acharás recompensado o sentimento,

seja por essa ou por outra qualquer,

que amor recebe em troca mais amor

e nada ganha quem o recusa em tal momento,

senão desdém nos olhos da mulher!

CANTO INDECISO XXII – 19 abr 07

Não é que encontre em mim a pretensão

de ser melhor que os outros ao redor...

Quando eu contemplo os que famosos são,

vejo igualmente minha obra com favor.

E me perturba até que a compreensão

do que escrevo, nem todo o meu leitor

atinja. Pois vendo tal alheia redação,

a mim parece que os versos deste autor

são bem mais simples. Se leio Luiz Delphino,

ou mesmo os paradigmas de Camões,

encontro termos que nem eu entendo...

Mas nestas frases em que me desatino

queria tocar... nos tantos corações,

cujas tristezas mudas bem compreendo.

CANTO INDECISO XXIIa – 19 abr 07

Quando contemplo os versos mais antigos

que já escrevi, não vejo diferença.

Não melhorei em sua parecença,

nem me afastei de seus velhos abrigos.

Só tive de enfrentar novos perigos,

de espreita a cada esquina. A indiferença

de quem queria o olhar que mais incensa

meu coração, ao ver que são aziagos

os dardos que me lança. E nem sequer

me vejo revestido por qualquer

real desejo de uma nova posse.

Não quero que minhalma se destroce

aos pés engalfinhantes de mulher,

cujo perfume somente por mim roce...

CANTO INDECISO XXIII

Minha vida é uma constante hemorragia...

Nasal, às vezes, quando me incomodo

e o sangue escapa, quase como engodo

que à própria natureza enganaria...

Mas quando pago impostos, sofreria

bem mais ainda, qual jogar ao lodo

de meu esforço o resultado todo,

tal que da mente a linfa eu sangraria...

Ao dar aulas, também, sinto que jorra

meu tempo, meu saber, minha paciência,

sem que consiga ver um resultado...

Mas me consolo em tua intermitência,

sem que, nos versos, meu talento morra

só por te ver, por vezes, do meu lado.

CHEIRO DE GATO I – 03 AGO 15

COM QUEM SONHAM OS GATINHOS

NESTA TARDE SEM LUAR?

SEM QUE O SOL VENHA A BRILHAR,

SALVO EM SONHOS PEQUENINHOS?

COM QUEM SONHAM OS CUSQUINHOS,

O OUVIDO SEMPRE A APURAR,

QUALQUER PERIGO A AUSCULTAR

NA DEFESA DOS PADRINHOS?

TODOS DORMEM SEM PARAR,

SALVO EM HORA DE COMER,

QUANDO DESPERTAM, LAMPEIROS...

OU QUANDO QUEREM PASSEAR

E ENTÃO ME PUXAM À VIDA

DO SONO DOS TRAVESSEIROS...

CHEIRO DE GATO II

SEMPRE ME PUS A CISMAR

SOBRE OS SONHOS QUE ELES TÊM;

POR CERTO, SEUS GIROS REM (*)

MOSTRAM SOB O PESTANAR.

(*) RAPID EYES MOVEMENTS, QUE DENUNCIAM O SONHO.

SÃO SONHOS DE RECORDAR

OU DO PRESENTE TAMBÉM?

SÃO SONHOS DO MAIS ALÉM

DE UM FUTURO A IMAGINAR?

NÃO ME LEMBRO DE ENCONTRAR

ESSES CÃES, ESSES GATINHOS

NO PRÓPRIO CAMPO DOS SONHOS.

SÓ ME LEMBRO DE ACORDAR

COM LATIDOS DOS CÃEZINHOS,

QUIÇÁ MIADOS TRISTONHOS...

CHEIRO DE GATO Iii

MUITA VEZ, OUVI DIZER

QUE NOS VÊM ACOMPANHAR

OU QUEM SABE, OBSERVAR

PARA AJUDAR A ESQUECER

AS TRISTEZAS DO VIVER,

AS DORES A NOS JUDIAR,

OS TEMORES DISSIPAR

NO MUNDO DO PODE SER.

E ATÉ QUE PONTO ELES VIVEM

NUM MUNDO MAIS VERDADEIRO

DO QUE ESTE EM QUE PISAMOS?

E EM SEUS MIADOS NOS DIZEM

COMO GALGAR AO TERREIRO

EM QUE À NOITE DESPERTAMOS...

QUQNDO O VENTO SOPRA I – 04 AGO 15

Igual à aranha, eu teço devaneios,

um fio do ontem, outro do amanhã,

tingidos pelo agora, igual que lã,

nessa entretela de mil e um receios.

Igual à aranha, que lhes percorre os veios,

pulo em nenúfares, como simples rã,

toda armadilha que surge eu torno vã

e não me entrego das sereias aos meneios.

Igual à aranha, eu sonho no sossego,

sem lamentar o tempo que passou,

até o momento de nova atividade,

na qual à captura então me entrego

de qualquer sonho que por ali chegou

e que transforme em poema sem maldade.

QUANDO O VENTO SOPRA II

Quando a calma da mente me domina,

eu teço cada verso com paciência,

a remoer palavras na indolência,

pelo efeito mais sonoro que fascina.

É nesses sonhos de tranquila sina

que as sensações revelam mais potência:

cores e cheiros de qualquer essência,

os sons da melodia em turmalina;

e as imagens se sucedem, borboletas,

desde as sensuais, até as da religião,

sem que as sequer pretenda controlar;

são sonhos místicos de vasta brotação

ou sonhos materiais em vastidão,

tal e qual os estivesse a vivenciar.

QUQNDO O VENTO SOPRA III

Mas quando o vento sopra, é diferente,

o sono se perturba, interrompido

e cada sonho é fracamente tido,

um fio de teia a se romper frequente.

Pois quando o vento sopra mais potente

ele me arranca todo o bem havido,

real imagem de pesadelo permitido,

em que a casa me soterra permanente.

Mas como pesadelos nunca tinha,

salvo esses que me assaltam acordado,

os mil problemas e gastos que se têm,

sofro espasmos de sono, em ladainha,

sem ser por qualquer sonho dominado,

até que o vento me transporte mais além!...