Cartas Aos Cegos.
Todos os dias caminhava lentamente,
Observando as cores,
O contorno das coisas,
Que percebi o quão é importante a imagem.
Mas junto ao meu fascínio,
Surgiu uma tristeza,
E quem não pode enxergar?
Como deve ser ruim.
Então coloquei-me a pensar,
Uma forma de suprir minha inquietação,
E foi então que me veio a ideia.
Comecei a escrever cartas sem destinatário,
Detalhando tudo que eu observava do meu dia,
Foram dias e dias e vários papéis escritos.
As coisas se formavam como palavras diante de mim,
E eu as roubava e as trancafiava nos papéis.
Ao ter uma boa quantidade de imagens escritas,
Comecei a pensar onde iria a destinar.
Descobri um asilo,
Com muitos idosos cegos, abandonados, esperando para morrer,
E tive a certeza de que aquele era o lugar certo.
Enviar as cartas não adiantaria,
Porque eles poderiam nem as receber,
E se as recebessem,
Como iam ler?
Comecei a visitá-los,
E descobri aos poucos o nome e um pouco da história de cada um.
Ao término de um mês,
Decidi começar minha missão,
Eu visitava cada um, ou as vezes mais de um por dia,
E lia as cartas a eles.
Os olhos sem vida, se enchiam de lágrimas,
Assim como os meus,
Pois eles não tiveram a oportunidade de ver as coisas que eu vi,
Outros viram, mas nem lembram-se como era.
Um senhor em especial me despertou uma atenção maior,
Ainda jovem,
Em uma viagem de trabalho
Ele se acidentou e perdeu a visão,
Nunca mais conseguiu retornar para casa.
Vergonha, orgulho tomaram conta dele,
E ele simplesmente abriu mão de sua vida,
Sua família deve achar que ele esta morto.
Faz tanto tempo diz ele,
Que nem devem lembrar mais.
Já devem ter reconstruido sua estrutura familiar.
Comecei a ler uma das cartas,
Que achei mais a ver com ele,
Assim dizia:
_Amanhece mais um dia,
As luzes purpuras se tornam mais radiantes,
As pessoas sonolentas começam a dispertar,
De um lado um pássaro voa.
Do outro um cão late,
A criança chora para não ir para a escola,
Lembro-me de mim,
O senhor lê seu jornal no banco da praça,
Enquanto um grupo de senhores fazem caminhada.
Os carros começam a se aglomerar no trânsito,
Nem parece aquela calmaria que eu tinha no interior,
Queria ter conhecido meu pai,
Vejo as crianças tão felizes com suas famílias,
Vou a padaria, peço um café com leite,
Lembro do café que minha mãe fazia,
Ela desde jovem teve que me criar,
Mas ela nunca reclamou,
Mas esperava que me pai voltasse pra casa.
A padaria esta cheia,
Tem um senhor engraçado,
Que fica contando piadas,
Sua vida deve ter sido sofrida,
Vejo pelas marcas do tempo em seu rosto e seus olhos.
Será que meu pai se pareceria com ele,
As vezes acho que nunca tive pai,
Devo ter sido algo não planejado.
O velho segura em minha mão,
Tremulo, e chorando diz:
_Filho, perdoa minha fraqueza,
Não queria que tivessem pena de mim,
Olha o que me tornei.
Meus olhos se encheram de lágrimas,
Finalmente estava diante de meu pai sem saber,
abracei-o forte e disse:
_Pai, jamais o deixarei, cuidarei de você.
Ele me diz soluçando,
Meu medo era de nunca mais poder ver,
Poder cuidar da minha família,
Mas eis que você surge como um anjo,
E por seus olhos,
Me faz novamente ver.