NASCIDA DE PARTO NATURAL
REPUBLICAÇÃO – Poema de 2008
Devorei as ideias
de mundos alheios.
Perdi o rosto
nos espelhos, simulacros.
Multipliquei-me a sede
em muitas impróprias águas.
Proteu, plagiei-me
ao longo das Eras.
Proferi, ad infinitum, as palavras
que me puseram na boca.
Desci aos infernos para resgatar-nos
os pecados, os crimes sem nome.
Ascendi a paraísos vários
sem qualquer mérito próprio.
Ensinei as severas verdades
sem nenhum conhecimento.
Curvei-me servil, sobremodo,
a menores do que eu.
Olhei, sobre tudo soberba,
aos demasiado maiores.
Articulei, vezes sem conta,
em horas erradas, o certo.
Proferi, sem pausa, o errado,
nos tempos para o exato.
Na infância, anciã.
Aos quarenta, adolescente.
Menina, a mãos-abertas,
ofertei aos velhos, conselhos.
Agora, as crianças
pegam-me no colo.
Enfim, só me cabe
a extrema felicidade:
Hoje, véspera de amanhã
amanhã, águas rompidas,
nascerei, por livre escolha,
de parto natural.