DUAS INFÂNCIAS
A infância que nunca tive
Têm bonecas de pano pretas
Cuia pra comer feijoada
Xita pra fazer almofadas
E muitas brincadeiras
A infância que nunca tive
Têm jambo macio
Carambola amarela
E maçãs verdes
A infância que nunca tive
Perdeu-se em algum lugar
Ficou nos porões dos negreiros
Na alma dos verdadeiros
Marinheiros
A infância que eu nunca tive
Tinha jongo, capoeira, maracatu
Tinha mães pretas
Crianças enroladas em capulanas
E cabiris à espreita
A infância que nunca tive
Será recontada
Por Omoro e Lunda
As frutas mais belas
Que carregarei em
Minha cabaça
De mulher
Darei à vida para eles
Através de meus ancestrais
E eles seguirão seus passos
Contarão suas histórias
E deixarão memórias
Um dia eles dirão:
“A infância que eu tive
Teve bonecas de pano pretas
Cuia pra comer feijoada
Xita pra fazer almofadas
E muitas brincadeiras
A infância que eu tive
Teve frutas macias
Caídas do pé
A infância que eu tive
Foi dada por minha mãe
Que era uma grande mulher”.