Perdeu, perdeu!

Nunca eu soube ao certo

se era perto ou longe.

Onde meu medo se esconde

pode até ser no deserto.

Ou no virar da calçada

junto com a ventania.

Ela é o que me anuncia

que é o fim da jornada.

Olho pra cima e me acalmo:

nuvens esparsas, distantes.

Meus sonhos irrelevantes,

todos contidos no palmo

da minha mão que se agarra

no corpanzil da parede.

Louca ou tonta de sede,

se é pra perder, é na marra.

Vou inventar a luxúria

dentro da sofreguidão.

Medo do aluvião

de uma vontade espúria.

Que não me deu a verdade

da transparência-cetim,

que me inundasse, enfim,

de algo maior que a saudade.

Que não houvesse a esteira

em que eu fosse flutuar,

longe de me preocupar

em falar tanta besteira.

Ovo, tomate, acerola;

cola que a mente seduz.

Tudo que, em fim, se reduz

a pouca coisa que rola

dentro daquilo que eu fui,

dentro daquilo que sou.

Se alguma coisa ficou,

o resto não evolui.

Mas a tristeza aparente

é como o brilho fugaz

que de repente nos traz

tudo o que a gente não sente.

Como a primeira dentada

na saborosa maçã,

livre da febre terçã

de que estaria marcada.

E já não sei com certeza

se o que quero é perder.

Mas, se puder escolher,

fico com a sobremesa.

Rio, 21/11/2005