A dor de “se”
Se os magnatas sentissem minha dor
Se a dor da pobreza fosse o pesadelo de seus sonhos
Se meus gritos de desgraça fossem todos meios de comunicação
Se fosse apenas sentida e não divulgada
A vossa fraternização seria meu consolo
Oh, meus irmãos!
Tão afastados de mim só porque tem dinheiro
Contaminados pelo ocidente branco de egoísmos
Dói-me estar desamparado
Se minha dor fosse instalada nos vossos corações
Se minha dor do aperto do chapa
como sardinhas enlatadas, dos pisos, dos futsekis de palavras
das sujidades de outros irmãos,
que me fazem chegar moluene ao serviço
Se minha dor fosse vosso matabixo...
Oh irmão, se minha dor vos mata-se o bixo
da ganância e repugnância que tens de nós
Se o meu desespero de fome deambulasse pelas vossas casas
A procura das migalhas que vocês nos dão de comer
Se eu pudesse pedir mais que simples migalhas
Se eu fosse mais que simples melancolia e humilhação
Se eu fosse o povo que não é povo
Que esconde a dor do sofrimento debaixo das almofadas
E reclama da vida dura
das pedras ameaçadas dia-dia por ditaduras
Mas, eu não sou e nem posso sonhar em ser
Porque:
Se um dia eu gritar minha voz
trespassando atmosferas, alcançando o mundo fora
Se um dia eu gritar o nós do povo medroso
Se um dia eu apontar os podres caminhos da nossa pobreza
Se um dia o Xipalapala novamente dançar xigubo na porta dos magnatas
Se um dia o governo subir chapa
e sentir a dor que o eu de nós sentimos
Se um dia o céu nos ser mais que azul,
para todos, por todos:
Levantaremos nossas cabeças vergonhosas
E sanados de dores
Voltaremos a ser gente.
Vocábulo:
Futseki: língua tradicional moçambicana (changana) que quer dizer o mesmo que "vai ver se eu estou na esquina".
Moluene: mendigo.
Matabixo: pequeno almoço às manhãs.
Xipalapala: Pala-Pala, animal.
Xigubo: dança tradicional moçambicana.