Ser Pobre

Dor de um desconhecido

Por todos que me conhecem

Atribuindo-me ninguém como nome

Para todos eles, eu nunca devia existir

E existo, porque me sobrevivo

Sou, de onde nem judas esqueceu as botas

Onde cheiros de latrina, podres

São nosso chão

E o céu, nosso tecto

E chove a benção da nossa miséria

Por dentro de nossas casas

Plantações de tsekis* aguadas

Fonte de comida para todo povo

E são nossas casas, habitação

Para milhares de pessoas

Paredes de zinco cansado

Donde saem as miúdas da noite

Balbuciando seus corpos de sustento

pelos semáforos da prostituição

E são nossos homens, os mesmos

Os ninguém que constroem cidades

Rendimentos precários

Um pão seco, um chá sem açúcar

Um desenvolvimento desfavorecido pela desgraça

E vivemos, sim, vivemos

Sem água de banho, tristeza, soruma

Vivemos, o desprezo do povo

Sem poder nada exigir

Pisando o pó que nem pisado merece ser

E anoitece,

Fazendo de nós frutos da solidão

E o amanhecer nos torna nus, pobres

Despe-nos as sujidades que vestimos

Desfilando pelas estradas de esmola

Pedintes do desespero

Sobre aflições da subsistência de nossos estômagos

O dinheiro nos falta

Mas nós não o faltamos

é a terra que nos enterra

e nos desperta o dia de amanhã.

Tseki: Ervas daninhas que nascem sobre as plantações e/ou até mesmo em qualquer local. São bastante usadas na gastronomia tipicamente moçambicana.

Lionel Português
Enviado por Lionel Português em 27/07/2013
Código do texto: T4407106
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