GRITOS SEM TEMPO
Prendam-me nas asas desmanteladas do tempo
E, no cárcere, dêem cabo dessa frágil liberdade
Para que eu ande impaciente à procura da verdade
Mas antes, entrego-me as chicotadas impúdicas no campo
E sobre esse vazio eu ainda caminho obstinado
Por haver nos trilhos o brilho do novo sangue
Que se esvaiu de quem tentou fugir a gangue
E se esconde em caravanas ingénuas como exilado
E, repentina, a chuva limpa esses caminhos
Em que se amontoam lamúrias incuráveis
As quais se escutam nas almas inundáveis
De esperança que já não consola espinhos
Então, não sugiram que eu me cale
Enquanto houver cá o agitar fúnebre dos hipócritas
Que nas esquinas engraxam sapatos com fitas
E em filas peregrinam, esperando-me no eterno vale
Detenham-me às mãos e convocarei todos
A fim de, nas asas do tempo, voarmos indignados
Seguindo, adiante, esse alarde que aflige crucificados
E proíbe homenagens por entre gritos dos vencidos
Benguela, 19/04