Tempo e Pão

Que venham os pares de versos a simbolicamente modelar!

Pois é um par no amor que se enseja ardorosamente formar!

Hoje, sábado, teria que ser hoje! A fome amorosa aperta demais

Mas também poderia ser amanhã, o que não pode ser é jamais!

Pois a fome alimentar pode tombar o corpo, mas a amorosa também faz fenecer

Um homem ávido por uma única mulher, um pão na forma da idealizada mulher

Imantada em outra mulher, esforçada, mas de postura disforme

Ele todo coração, sonho, anseio... abarcado pelo Amor enorme

Que ainda é ensaiado e que será entregue pelas delicadas mãos do consolo

À calorosa dama, que exalará aromas de pureza das entranhas do seu miolo

A massa é por ele preparada, teimosamente, resignadamente

Tentando ter seu pão dignamente, ideal que povoa sua mente

Um prazer tormentoso da realidade, um dia somente é uma migalha obtida do pão semanal

A grande fatia, tão almejada por esse homem, como que em negociação feminina banal

É cotidianamente fracionada e destinada pela mulher a uma relação levedada

É contradição, paradoxo, uma afronta mediante qualquer ótica considerada

Tanto entregue para um homem, tão pouco para esse outro...

Como que alimentar com montanhas de feno aquele vil potro...

Carente estômago de quem quer nutrir-se da plenitude do alimento-amor

Quando será o momento certo dele decidir viver o milagre multiplicador?

Aquecer o forno, aguardar pacientemente as massas evocarem qualidade?

Conhecer mulheres, nutrir-se e deleitar-se nas descobertas pela cidade?

Permitir-se receber dedicadas e deliciosas fatias durante toda a semana?

Então desfrutar tal banquete; Tempo recheado pelo que o Afeto emana?

Mas essa justa fartura, tão merecida, ocorrerá naturalmente e será duradoura

Contudo, só saciará corpo e alma se vier de uma única e perene mantenedora

Então estará a salvo e alimentado seu coração, por toda a vida.

Em casa, diariamente, reunido na mesa, com a família constituída.

Augusto Matos

Post Scriptum: intertextualizando o meu poema acima, com um pensamento da consagrada escritora Clarice Lispector, eis uma expressiva escrita dessa mulher artista da palavra.

"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida." (Clarice Lispector)

Augusto Matos
Enviado por Augusto Matos em 19/05/2012
Reeditado em 21/05/2012
Código do texto: T3676534
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