ASSIM SEJAM MEUS ÚLTIMOS DIAS

Quero ainda estar presente neste mundo,

mesmo quando bem velhinho estiver.

Sem me importar em não ser vagabundo,

esperando da vida o que ela me der.

Contarei aos netos ou então às flores,

tudo quanto de bom na vida aprendi.

Só não falarei das dores, dissabores,

de tudo quanto fiz e me arrependi.

Pretendo me fazer sempre presente,

em todas as festas em que for convidado.

E falarei tudo o que me vier à mente,

sem me intimidar ou me sentir culpado.

Hei de me sentar sozinho num banco de praça,

numa manhã de frio intenso de inverno,

sentir o vento úmido que meus olhos embaça,

cumprimentar os que passam com sorriso terno.

Visitarei os lugares por onde outrora fui feliz,

em que meus sorrisos deixaram lembranças.

E aos que me reconhecerem direi o que fiz,

me farei novamente despreocupada criança.

Dormirei mais cedo sem pressa de acordar,

com a janela aberta para ver a luz do luar.

E aspirar o frescor da brisa perfumada,

que se desprende das árvores na calçada.

Não farei mais exigências nem terei ambições.

Confiarei mais na vida sem falsas ilusões.

Abençoarei e viverei mais intensamente,

tudo a seu tempo devagar, serenamente.

Irei onde a vontade deseja me levar,

até onde me permitirem os pés cansados.

E nos caminhos que me virem passar,

hão de me ofertar guarida e cuidados.

Não terei mais tempo para discussões fúteis,

nem reclamarei por não ser compreendido.

Dedicarei minhas horas ás conversas úteis,

não falarei sobre o que não tenha vivido.

Minha presença há de ser sempre esperada,

com a ansiedade de quem espera um filho.

E ao chegar e durante a minha estada,

as casas e os olhos se encherão de brilho.

Me entregarei à solicitude e me disporei,

sinceramente, pelo simples prazer de servir.

Sem me preocupar se um dia receberei,

por todo sofrimento que ajudei a suprimir.

Deitarei na relva ao sereno numa noite de verão,

e deixarei meu corpo entregue à aragem do mar.

Só para ver as estrelas e pensar com o coração,

naqueles que embora distantes continuo a amar.

Enfim, numa manhã de abril, cheia de encanto,

realizado, para sempre meus olhos fecharei.

Sem dor ou lágrimas do mais leve pranto.

Na lembrança nada além de tudo quanto amei.

Samir Fernandes
Enviado por Samir Fernandes em 14/01/2012
Reeditado em 14/01/2012
Código do texto: T3440562