O TEMPO É UM POEMA (Credo) & MAIS

CREDO

O tempo é um poema escrito no meu rosto,

por mãos que não são minhas; as marcas eu não tenho

gravadas em mim mesmo, pois tão só me atenho

a enxergar meu passado, olor de carne e mosto.

O tempo me é poema que não traz desgosto:

enfrentei o quanto tive. A firmeza mantenho,

bem poucos prazeres da vida retenho:

muito mais as tarefas que tenho reposto...

E que arquivo no tempo, depois de completas...

Se algo encontrei, nesse incrédulo tema,

foi a ânsia voraz da tarefa comprida...

Talvez por isso, minhas rugas são discretas:

nem grandes remorsos, nem grande dilema

dos longos deveres cumpridos na vida...

ORLA

O tempo é um poema escrito em minha vida,

não só melódico. E mesmo, com freqüência,

bastante dissonante em minha impotência,

acordes tingem tal mortalha mal tecida...

Sei bem que inda tenho uma longa jazida

a explorar pelas sendas, na maior paciência

até que se me esgote em turbulência,

essa ardente batalha, essa estrênua corrida.

Passam-se os anos na corte dos eventos,

na diáspora insana do préstito obscuro,

sem vivenciar de fato momentos perigosos...

Mas é o meu tempo e tantos contratempos

a mim pertencem do modo mais seguro,

como eu pertenço aos caminhos inditosos...

IRÍDIO

A luz do amor que sopra, brandamente,

sobre meu peito, é como roxa espuma,

lactante de aromas, enovelada em bruma,

enquanto a musa se esgueira, efervescente.

Rebrotada das ondas, sangue e sêmen,

seduzindo em ser somente a sedução,

quer demonstrar o quanto, em sua paixão

pode sangrar o amor, que tantos temem.

A luz terrestre, esguia como prece,

a luz arbórea chilreia e reverdece,

a luz lacustre desse mesmo céu,

não se conformam ao gume desse arpéu

da luz marinha que a carne anzola e fura,

no arco-íris tutelar da espuma pura...

naturalmente, este soneto é uma referência ao mito de Vênus ou Afrodite, que nasceu do sangue e sêmen espalhados no mar e emergiu nua como a deusa do amor, a qual ressurge em cada mulher que vemos. bill.

IMANTAÇÃO

Preciso decidir quando marcar

minha próxima paixão, nem sei por quem.

Vou decidir quem será o novo alguém

e então eu buscarei me enamorar...

Hora e lugar são fáceis de marcar,

porque, afinal, não vai me amar também.

E nem sequer a buscarei, porém,

a um novo amor preciso me ligar...

Não precisa ser grande: um só suspiro

é para novos versos suficiente

e roubarei de seus olhos o fulgor...

Pois nem preciso sair de meu retiro.

Um fio de seus cabelos, tão somente,

bastará a despertar-me tal amor...

CHARRUA EMBOTADA

Dizem que as rugas mostram sofrimento,

as agruras da vida, a dor, trabalhos,

os desenganos, tantos atos falhos,

que nos acometeram num momento...

Então, eu deveria o rosto ter

sulcado de gilvazes e das marcas

das agonias que passei, que as Parcas

alegremente quiseram-me ceder...

E assim não é. Por toda a minha idade,

meu rosto de experiências tão freqüentes

não mostra o efeito retalhado assim.

Parece tive tão só felicidade,

dessa maneira que surpreendo ausentes

tantas rugas que deviam estar em mim.

TRADUTOR

Se uma mulher desperta-me a cobiça,

não é que a queira de fato. Se a acho bela,

o que desejo é o bulício da procela,

dentro em meu coração, que mais o atiça

para criar mil versos, do que à liça

irá lançar-me, na conquista dela...

Não é que não deseje estar com ela,

mas quero muito mais essa castiça

inspiração marchetada de desejo.

No fim das contas, não passa de pretexto

e, a certo ponto, sua posse lesaria

o quanto mais anseio, não por pejo,

mas por querê-la inscrita no contexto

muito mais duradouro da elegia...

REGRAS DA VIDA XXXIV

É impossível que se entenda tudo:

esse povo se comporta estranhamente...

Se de entender a mim sequer me iludo,

muito menos saberei de tanta gente

que me rodeia e nem sequer estudo...

Apenas observo, complacente

com o inesperado proceder, freqüente,

do olhar que é cego e do ouvido mudo.

É desse modo que as coisas acontecem:

nos tomam de surpresa, nessa vida,

por mais que compilemos novos dados...

Até quem mais amamos... Nos esquecem

por quaisquer coisas que tenham preferidas,

sem que por isso sejamos desprezados.

POEMA EM VERSOS CINZAS

Quanto a isso, não existe sequer dúvida!

Nós somos acessórios para os outros:

cada um é o centro de seu próprio mundo

e nos enxerga quais planetas orbitados

em torno de seu sol: imagem úmida

de seus próprios desejos e desdouros,

alguém para atingirem seus propósitos

ou simplesmente um membro da platéia.

Essa que é a dor de se sentir paixão:

essa que amamos, se sente no direito

de ser o foco de tal gravitação,

em seu próprio sistema mulhercêntrico,

enquanto o homem, por mais que desejado,

é só mais um planeta a controlar...

claro que o título é um trocadilho com 'versos brancos'.

ACREÇãO

Talvez que amor eu tenha pressentido

no fundo de teus olhos e ademanes,

nessa graça de andar, nesses ufanes

esparzires de perfume consentido...

Mas não pretendo seguir empós a pista:

a redolência basta, o leve adejo

dos feromones, em adágio de desejo,

sem que me apreste em busca de conquista.

Eu nem quero tocar... Quero sentir,

dentro de mim quanto podia ter sido,

sem que algo jamais se concretize...

Serei tolo, talvez, nesse deslize,

mas o que busco mesmo, é conseguir

um novo amor que não possa ser vivido...

AS COISAS SÃO BEM ASSIM

É inútil se esforçar para entender

porque as coisas nos vêm e nos atingem.

Há pessoas que até compreender fingem

e interpretam o que vêem acontecer...

Mas, de fato, o perceber determinista

do Pluriverso é só desejo de iludir...

Só em nós mesmos podemos investir

o quântico e o cismar de um casuísta

causalismo. Mesmo até que a borboleta,

ao adejar das asas, inconsciente,

provoque finalmente um terremoto,

não cabe a nós a solução secreta

desse todo randômico e ignoto,

que dentro em nós tanta paixão acende!...

REGRAS DA VIDA XXXV

De onde surge a real felicidade?

Das coisas materiais, dos teus amores,

que com tanta freqüência causam dores

e se demonstram apenas falsidade...?

De onde brota essa "real fragilidade"?

Cada um sente a sua e apenas sabe

de onde é que não brota, pois lhe cabe,

no fim das contas, apenas leviandade...

Mas em que parte das coisas materiais

ou em que ponto dos amores naturais

se localiza a razão desse portento...?

Não está em parte alguma. E então se vê:

felicidade não é externo sentimento,

ela se encontra bem no fundo de você...

REGRAS DA VIDA XXXVI

Aprenda a desistir, quando é impossível.

Por maior seu esforço num projeto,

nem todo o seu trabalho incorruptível

irá alcançar o intenso bem dileto,

que tanto se esfalfara em alcançar.

Nem toda mina tem o seu filão...

E, com todos os labores, conquistar

nem sempre se consegue um coração...

Por isso, ao ver que seu trabalho é fútil

[pois não se cria um nenê após o aborto]

desista, enfim, de seu constante impulso.

Pois, afinal, que coisa mais inútil!...

Desenterrar o amor, depois de morto,

só para ver se ainda existe um pulso!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 11/08/2011
Reeditado em 12/08/2011
Código do texto: T3154089
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