CONFIANÇA & MAIS

CONFIANÇA I (9 mai 11)

Quando um gatinho é ainda bem pequeno,

não reconhece como tradicional

inimigo de sua espécie, a um cão leal:

corrompido não foi por tal veneno...

Desde modo, nas suas costas, bem sereno,

vai trepando, confundindo o material

aspecto da collie com função mais maternal,

que assim aceite esse gatinho sarraceno...

Pois a cadela, em sua mansidão,

o filhotinho de gato não espanta,

sem que, por isso, o considere seu...

Mas o recebe em seu peludo casacão,

que assim a envolve, como loura manta,

quando no assoalho preguiçosa se estendeu...

CONFIANÇA II

Temos em casa um gato persa, sem focinho,

olhos azuis e com pelame variegado:

branco, amarelo, de marrom mais carregado;

tem boa índole o nosso animalzinho...

E a cadelinha shihtzu, devagarinho,

vê cor igual à sua no coitado,

salta-lhe às costas, sem o menor cuidado,

sem que o gato afugente esse bichinho...

Pois apenas quer brincar. Desde pequena,

ela o aperta e lambe, com carinho,

depois lhe sobe às costas, mordiscando,

sem compreender que a impaciência acena,

até que o gato se levanta, de mansinho,

e de um salto vai depressa se afastando...

CONFIANÇA III

Quando ela vem atrás, Arthur estuga

o passo a pouco e pouco, porque nela

não quer bater ou arranhar para contê-la

e quase nunca chia ou o dorso enruga...

Porém Penélope entende que essa fuga

é de um cachorro bem maior que ela

e corre atrás, até que, na janela,

o gato pula e o peitoril aluga...

E a cadelinha pula, em frustração,

tentando reabraçar seu gato amado:

talvez até acredite ser gatinha...

Ou que esse gato seja um cachorrão,

que infelizmente, um dia foi castrado

e nunca irá casar com a cachorrinha...

DEODAR (Cedros do Himalaia) - 3 mai 11

Quem transporá meus versos para o braille?

Para que os cegos também possam ver

fantasmagorias fugazes de meu ser,

dançando doidamente em longo baile...

E quem se disporá que aos dedos rale

nas letras pontiagudas, para ler

essas centúrias de versos que a escrever

muito mais que Nostradamus eu me abale?

Não é que nelas existam profecias:

são somente descrições de meus apegos

ou desapegos que só quero descartar.

Porém, em tais imagens fugidias,

talvez consiga abrir olhos aos cegos

e minhas paisagens os deixe contemplar.

DEODAR II

Existe no Himalaia um certo cedro,

que só cresce nos planaltos das montanhas.

Zonas mais quentes ser-lhe-ão estranhas

e em pleno gelo, nem sequer eu medro...

Os meus poemas sob a neve empedro,

cada palavra recai nas artimanhas,

do meu passado congelam-se as façanhas,

cada soneto um cristalino hexaedro...

Mas existe aquela zona peculiar,

em que o clima se demonstra temperado

e é justo nela que floresce o deodar...

Do mesmo modo que o verso é encantado,

para em um só momento assim brotar,

quando em teu coração será escutado...

DEODAR III

Não creio falte alguém disposta a ler

versos de ouro para o amigo cego.

Eu mesmo nunca o fiz, porém alego,

em minha defesa, que mais tenho a fazer.

E deste modo, dedico-me a escrever

esses mil versos que ao destino lego,

dos quais a muito poucos eu me apego:

deixo que os ventos possam percorrer...

Mas se soubesse braille, gostaria

de ensinar esses cegos a gemer,

as lastimosas notas da agonia,

com que transcrevo todo o padecer

de quem te vê e te tocar queria,

mas não tem tato para te aquecer!...

LA CASA ROSADA I (5 mai 11)

O palácio do governo da Argentina

foi construído aos poucos, ao capricho

das épocas e decisões dos presidentes.

Até a função a que ele se destina

foi mudando lentamente e hoje se afina

mais ao passado do que aos dias presentes.

Onde a Plaza de Mayo se abre hoje

foi sempre o centro dessa Buenos Aires,

desde 1580, em sua fundação.

Das manifestações políticas que aloje,

dos libertários ideais em que se arroje,

repositório das portenhas tradições...

Em 1594, o Capitão Juan de Garay,

fundador de Buenos Aires, ordenou

a construção de um forte militar,

em cujo nome a homenagem cai

a Juan Baltazar de Áustria, que lhe vai

em recompensa, seu governo financiar.

Anos mais tarde, em mil setecentos e treze,

foi construído, no mesmo local,

o Castillo de San Miguel, com suas muralhas,

torretas e ameias, servindo de defesa

contra qualquer tentativa portuguesa

de conquistar Buenos Aires em batalhas...

Um pórtico, em estilo neoclássico,

foi construído por Bernardino Rivadávia,

em 1825, já após a independência:

nove de julho de mil oitocentos e dez.

À liberdade uma estátua após se fez,

outra a Belgrano, equestre em imponência.

Em 1857, Justo Urquiza demoliu

o velho forte e construiu a Alfândega.

Foi Edward Taylor o arquiteto

que, em estilo italiano, construiu

o novo prédio, que por décadas cumpriu

essas funções para as quais fora o objeto.

LA CASA ROSADA II

Permaneceu o anexo administrativo

e a Aduana até 1890 funcionou.

Bartolomé Mitre mandou embelezar

o prédio, com seus pátios e o jardim,

mais um gradil... E decidiu assim

Domingo Sarmiento tal obra a continuar.

Em 1873, construíram os Correos:

Karl Kihlberg foi seu arquiteto.

Já Júlio Roca, em oitenta e dois,

mandou construir a parte central,

ligando os Correos ao prédio principal

e o mesmo estilo se conservou depois.

Foi desta vez Enrique Aberg o arquiteto,

mas contrataram Francesco Tamburini

para a ereção das arcadas italianas,

que em noventa e quatro completou

e em noventa e oito se anexou,

após demolirem o edifício das aduanas.

E o prédio buenairense permanece...

Uma mistura de cal e sangue de vaca

lhe conferiu a primeira cor rosada,

pois essa estranha mistura oferecia

mais resistência ao tempo e não sofria

desbotamento, tão logo após pintada...

A cor rosada até hoje se conserva,

mas novas tintas não empregam sangue...

Afirma-se, também, ser garantia

de um pacto de real conciliação,

entre Blancos e Colorados, que a nação,

doravante não mais dividiria...

Em 1957, instalaram o Museu

Histórico Nacional, em parte dela.

Guarda relíquias de muitos presidentes...

Desde noventa e um está incluindo

restos do forte, que foram descobrindo,

em escavações um pouco mais recentes.

LA CASA ROSADA III

Até o Paseo Colón foi desviado,

para ligar o edifício ao Parque.

O resto da Aduana também desenterrado,

para o bicentenário de sua independência.

E o prédio antigo, com toda a sua vivência,

foi de novo totalmente restaurado...

Há muito tempo não é mais residência.

Os presidentes se mudaram para Olivos.

Chamam de Quinta a suntuosa moradia,

em que Cristina Kirchner reside,

que, depois do marido, hoje preside

essa Argentina, com menos fantasia...

Foram-se os tempos de maior prosperidade.

Uma crise após outra a dominou

e esse país mais sobriedade demonstrou.

Que não vive no passado, é bem verdade:

dos Colorados, até a velha rivalidade

com os Blancos, o Peronismo já esvaziou...

La Casa Rosada conserva sua imponência,

transplantada da Itália em sua aparência...

Vê-se o Obelisco e a vetusta Catedral,

chamada hoje de Metropolitana...

Não é de admirar, pois da italiana

imigração foi a corrente principal!...

E o que mais resta dizer? Nutre o orgulho

das etnias que formaram argentinos,

como um símbolo da unidade nacional.

Foi o sul colonizado por ingleses,

escoceses e também por irlandeses,

sem mais rivalidades, afinal...

Porém conservam ainda o espanhol,

aqui trazido pela corrente ibérica,

como um idioma constitucional...

E na sua bandeira surge o sol,

como promessa de melhor farol,

de que o rosa da aurora ainda é o sinal...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 29/07/2011
Código do texto: T3125725
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