APÓSTROFE & MAIS

APÓSTROFE (2008)

É por isso que as pessoas te desprezam,

poesia. Porque tantos maus poetas

empregam temas que somente estetas

conhecem e nem eles muito prezam.

São famosos, talvez. E muito lesam,

com seus nenúfares, giestas e completas

o altíssono sonar de mil trombetas

ou as ladainhas com que tantos rezam.

Não foi por isso que te quis, poesia!

Eu quis te ver em verso consagrada,

mas que fosses para todos compreensível.

Por isso, te escolhi. Que a melodia

escorra entre meus dedos, descarnada

numa linguagem para todos disponível!

PRECE (2008)

Aos deuses afirmei que prefiro passar fome

do que deixar em falta a quem eu amo.

É mais por isso que às deidades clamo:

que esse trabalho que tanto me consome

cada vez mais à própria vida some.

Seus resultados, ainda que reclamo

que nada sobre para mim, eu chamo,

para que venha mais e mais eu tome.

Que em favor dos que vejo a meu redor

eu possa distribuir, de pleno acordo,

e que isso até me dê satisfação.

Que não conheço qualquer prazer maior

do que este com que a alma me transbordo,

ao partilhar meu próprio coração.

QUEIXA (2011)

Mas não tenho um só momento de triunfo

que não seja mesclado de derrota:

toda alegria uma tristeza embota,

a melhor mão é batida por um trunfo.

A lentidão perene dos cristais

recorda, com seu brilho matutino

o ofuscar do sonho vespertino,

nessas mudanças de tons espectrais.

Pois não são os cristais que têm fulgor:

eles refletem o cintilar do Sol

ou piscam mansamente sob a Lua.

E assim vibra o sucesso em seu calor,

espelho inútil de qualquer farol,

em que se apaga essa esperança nua.

PUPILAS (22 mar 11)

Existem duas luas nos teus olhos,

que me parecem até brilharem mais

que a Lua em perigeu, meigos torchais

que reluzem muito além de meus antolhos.

Enquanto as lágrimas, como santos óleos,

deslizam suavemente, rios navais,

que se destinam ao estuário do jamais,

até afrontarem dos dentes os escolhos...

São redondas essas íris, essas luas,

mais permanentes que essa Lua arteira,

que hoje é cheia e amanhã desaparece...

Porém as pálpebras impedem sejam nuas

as duas esferas de expressão brejeira,

cujo brilho, ainda fechadas, não se esquece.

TROPELIA (22 mar 11)

(baseado em ditado sumério, circa 5.000 antes de Cristo.)

"Não é o coração que causa o mal,

mas a língua que conduz à aversão."

As palavras impensadas sempre são

causa maior dos rancores, afinal.

Nossa língua é esse estranho carnaval

de fantasias usadas sem razão;

mascara o pensamento, na emoção

apenas momentânea e temporal...

E quantas vezes, perturbação passada,

quando a razão da mente vem à tona

ou quando o peito sofre compaixão,

essa palavra que no mundo foi largada

e que da boca por momentos fez-se dona,

é até negada com indignação!...

ESTAMPAS DE ALUMÍNIO (24 abr 11)

CHEGOU A PÁSCOA, FINALMENTE, AQUI

E UM BELO DIA VEIO APÓS A CHUVA,

A LUZ DO SOL BRILHANDO COMO FULVA

JUBA GENTIL NOS TELHADOS QUE HOJE VI.

CHEGOU A PÁSCOA E, COM ELA, O BEM-TE-VI,

CANTANDO EM CORO AOS PIOS DE UMA CORUJA,

NESSE DUETO QUE ASSENTAVA COMO LUVA

À MINHA SAUDADE DAS PÁSCOAS QUE PERDI.

DAQUELE TEMPO DA RESSURREIÇÃO,

EM QUE A VIDA DE JESUS ERA LEMBRADA,

SUA FIGURA ENTÃO SURGIA NESSE ESPELHO

DO SOL DA PÁSCOA NA AURORA DA ASCENSÃO,

ENQUANTO HOJE SÓ A GULA É CELEBRADA,

NOS CHOCOLATES DOCES DE SÃO COELHO!...

TRELIÇA

Prouvera os deuses que teu rosto vira

Hoje no assomo de imortal quimera:

Que nenhum homem mais assim quisera

Tanger-se em claros dobres nesta lira;

Prouvera os deuses hoje que te amara

Em solidão talar de melopeia:

Que ninguém mais servira de plateia,

Ao perpassar tua sombra a trilha rara;

Mas soubera prestar-te, em melodia,

O preito fino e o galardão sublime

Com que a alma bem no fundo te atingira;

Soubera bem apreçar-te a nostalgia:

Veludo antigo em ânfora de vime,

Que já desfaz ao toque quem suspira!...

MARANHA

A vida é tua -- tens pleno direito

de fazer dela aquilo que te apraz.

Há certas coisas, porém, que não se faz,

só por questão primária de respeito.

Não se maltrata a quem sempre escorreito

agiu contigo, quem sempre foi capaz

de relevar tuas falhas e a veraz

oscilação de um gênio insatisfeito...

Porque jamais te deu razão de queixa,

Sempre fiel te foi, sempre a teu lado,

Mostrou-se atento, leal e dedicado;

Mas quanta variedade a mente enfeixa!...

Quem se sente insegura e contrariada,

Magoa por prazer, quase por nada...

APENAS

se for por amor, sim... por gratidão?...

não estou te comprando e nem eu quero.

por muito que deseje, eu desespero

de te possuir, num beijo de amplidão.

se amor queres fazer, por seres grata,

nada me deves, exceto o teu carinho,

gratuito e voluntário, em comezinho

fremir de beijo, em beijo que contata.

e nesse beijo enfim, carne se agita

e a carne simples torna-se bonita,

na exaltação total, quando se quer

um corpo de homem, só por deleitoso,

um corpo de homem, feito mais fogoso,

na exultação de um corpo de mulher!...

SOMENTE

Eu não quero fazer nenhum soneto agora,

só depois que eu voltar: aí, então, farei,

dependendo de como o tempo desgastei,

se contigo, se na sombra de um outrora...

Eu não quero fazer nenhum poema antes

de partir para ti, sem saber se terei

os teus olhos de vinho, se beijos ganharei,

se juntos gozaremos de orgasmos fascinantes...

Eu não quero fazer, mas versos assanhados

me sobem dos testículos, assim descompassados,

e se entregam a ti, num beijo de martírio...

Queria então saber se a dúvida conversa

em certeza seria, à luz do meu delírio,

ou em versos apenas seria então dispersa...

AUTÓPSIA

Se um dia fores minha, luz esquiva,

Som multicor, toada de martírio,

O gosto de tua voz, tal qual delírio,

Será como um perfume que se ativa.

Invólucro sutil, dobra após dobra,

Alma de prata em dentes de alvorada,

Um coração exposto, um simples nada,

Da última barreira a entrega cobra.

E como seria mágico o momento,

Permeado de emoção e sentimento,

De partilhar tua mente em seus refolhos!

De te sentir desnuda nos meus braços,

De perceber o riso nos teus traços,

Ao contemplares teu rosto nos meus olhos.

CHASTISEMENT

it is so easy the others to Blame

for your own foolishness, for false Steps.

how often have you, for your own Shame

misread, misapprehended, sorry Laps

taken up in a life so Whorish?

bending to others, all too Fearful

of your own quest to Accomplish,

forgetting your best and so Gleeful

rebelling against those you Obeyed?

now take up the blame and be Steadier.

because you don't have to be Here,

you bend and obey for finding it Easier

your life, all the while letting be Swayed

by those that you find closest and Near.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 04/06/2011
Código do texto: T3013460
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