CANDIDO ANJO
Nas remotas ondas adormecidas do meu peito
E no fúnebre manto que cobria meu coração
A vida que já era velada no rubro leito
Aos poucos sinais de ardor, começa a "fluição".
Lápides frias e anjos mortos no cemitério
Ali, minh'alma fazia o templo de sua meditação.
Meu funesto ser vivia seus lívidos mistérios
Morrendo n'aurora sem entoar uma única canção.
Era noite e meu ser torto despertava frio
E naquele fúnebre lençol um anjo moveu a mão
Rompendo o negro silêncio do meu ser vazio
E rasgando meus cerrados lábios de murmuração.
- Que morte iníqua já me esperava, e, tão vã
Minha vida se tornara nessa vulgar imensidão?
Já prontamente decidido sem querer o amanhã
o sangue que batia no meu peito... Fazia em vão!
Despertara de meu frígido túmulo ao luar
E gemendo de dor eu andei na escuridão
Sentindo o vento gélido a minha face cortar
E levar consigo as lágrimas na multidão!
A multidão recebia noite a noite meu pranto,
A multidão de estátuas, de anjos sem emoção!
Que no silêncio mortal entoavam seu canto,
A música silenciosa da minha dorida depressão...
O vento já levava no seu dorsal o meu pranto,
mas na multidão um anjo recolheu com a sua mão
Que com penosa agonia causara-me espanto...
Alguém descobria os males do meu coração.
Calei minhas dores, minhas lágrimas e neguei
A dor que rompia minha carne em desolação
Não queria que o Anjo achasse o que guardei...
Despedidas, abandonos, desgostos e negação!
Porém o Anjo em cândida face me invoca
Com a sua voz indescritível devoção.
Que tamanha explosão no meu peito comporta...
Quem és o Anjo que me devota atenção?
Sentada na lápide fria... O Anjo imóvel eu via
Que com teus olhos atentos em mim sinto vibrar
No meu corpo o sangue que já esfriara n'agonia
e nos meus olhos, a rebelde lágrima, a se derramar.
Não sei a tua voz e nem seu toque eu senti
Silenciosa, meu anjo, ali sentada fica a olhar
No meu rosto o oceano de lágrimas qu'escondi
E sentindo minha respiração, de volta, acelerar.
Qu'eu, moribundo verme, despojo-me de mim
E nu divago na escuridão do cemitério sem calar
As centenas de lágrimas que até então eu escondi
E que nos olhos do meu Anjo encontram um lar!
- Que me toque a face meu anjo e me leve contigo
Vestindo-me novamente d'alvas túnicas do amor
Que me arranque, límpido anjo, desse abrigo
que fiz para m'esconder em nodosas cascas de dor.
Beije-me os lábios e de cá me tire, Amada!
Porque já a noite enfadou meus osso de rancor
Matando a cada gota gótica de luar a camada
que restava nos meus lábio um clamor!
- Cândido Anjo, minha Amada d'alva pele
Dá-me vida, a vida que na morte procurei!
Alvo clarão, luz noturna tu te tornas, anjo meu
Cerre com um beijo o pranto em que me deitei...
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Dedicado à Larissa Dornelas