DOCUMENTÁRIO & OUTRAS

DOCUMENTÁRIO

Eu sinto a sobrecarga nas neurais

redes de meu cérebro, a cada vez

que olhe para ela e a própria tez

acenda meus neurônios desleais...

Não é que a ame, nem que veja mais

aquele brilho puro, aquela grês,

ou me reporte àquele antigo mês,

em que me permiti sonhos banais...

Contudo, que ao lembrá-la, sempre eu brilhe,

mesmo sabendo que fulgor nenhum

me leve a seu sorriso e os dentes rilhe!...

E os pasmos da memória assim esquile

e caia o estro no lugar-comum,

de rimar com seu nome apenas "billy"...

ZÊNITES

Sempre odiei esse calor que desatina

e destrói quanto podia nesse estio

causar-me prazer; porém desvio

o meu olhar do céu de turmalina,

porque é bordado do ouro que me ensina

um tal desgosto que me avilta o brio;

e, lentamente, o coração desfio,

para tecer, pouco a pouco, uma cortina

em que se bordem incidentes de minha vida,

mas não os sonhos que nunca me virão,

meus sonhos nômades se perdendo ao léu.

Bem mais queria no inverno ter guarida:

respirar com alívio... Eu, no verão

chego a odiar o azul que está no céu!...

HÉGIRA (partida, fuga) I

Quero escrever de amor e hoje não posso:

já esgotei as metáforas de prata,

de carne e sangue, os ossos da omoplata

serviram como enxadas nesse esboço

de um castelo de sonhos, nesse fosso

de ilusões em que a alma se desata;

não mais se atreve o amor, numa cantata,

a falar, que o sentimento fez-se insosso,

talvez que os feromônios se afastaram

e nada mais me excite realmente,

quando estou só, senão esta veemente

intenção de descrever dor que deixaram,

funda em meus sentimentos nesta hora,

em que estou só e apenas amo o outrora.

HÉGIRA II

Foge de ti o meu amor dolente

ou fugiste de mim inteiramente,

não sei qual desses dois chegou primeiro;

se foi sincero amor ou interesseiro;

não sei de fato se até é inteligente

falar assim de amor frequentemente

ou se melhor me fora o derradeiro

verso que te escrevi seja o viveiro

de nossos versos de um amor dourado,

manchado de carmim alcandorado

ou desvestido de qualquer sentido...

Talvez, eu nem sequer tenha vivido

essa mescla de esperança e de temor:

viva emoção que já chamei de amor.

HÉGIRA III

Qual Maomé de Mecca sai outrora,

perseguido por parentes inimigos.

eu me transfiro assim a tais jazigos

em que sepultarei o meu agora.

Sou foragido em momentânea hora

dessa sombra de momentos mais antigos,

mais de temer por serem meus amigos

e mais difíceis de mandar embora.

Se Maomé fugiu do próprio clã,

eu fujo à sanha de meu próprio amor:

dentro de mim amor; o clã, de fora.

E, por isso, minha hégira é mais vã,

pois onde vou, carrego o meu temor:

esse fantasma de ti, que me devora.

MIRAGENS I

Amo a loucura da imaginação:

cada momento pode ser diverso,

cada alegria pode ser o inverso

dessa tristeza no meu coração.

Amo a tolice da imaginação,

que a cada instante chama um novo verso

ou toma sempre o reverso por anverso,

nesta medalha da adivinhação,

que lanço, diariamente, pelo ar,

para saber, nesta diária lida,

qual o sendeiro que tenho de trilhar...

Qual seja a pétala desta margarida:

que, finalmente, eu hei de trapacear,

por teu amor novamente na minha vida.

MIRAGENS II

E quem nunca fraudou a margarida,

ao ver a pétala desfavorecedora...?

Quem foi que não contou, na mesma hora

uma folha, no caule ressequida...?

Ou quem foi, que ao perceber a despedida

do malmequer de pétala traidora,

não se enganou, deliberando agora,

a colher-se duas pétalas sem vida,

para fingir ter sido o bem-me-quer,

ao invés do presságio ressentido...?

Ou que o cerne do pólen, num instante,

calculou como pétala, em qualquer

desonesta afirmação do malferido

coração, por tal furto triunfante...?

ALCORÃO

As rugas do papel tudo comportam,

desde o tempo em que foram proteção

do livro que carrego, em precaução,

para o lugar a que deveres me reportam.

Deste modo, quando versos se me aportam,

essa folha enrugada por tração

aceita a tinta de meu coração

e recolhe os sentimentos que me importam.

Houve um tempo em que escreveram o Alcorão,

no meio de um deserto, onde as areias

não permitiam a busca de papel...

Usaram pedras, couros e o cascão

mais grosso das palmeiras e essas teias

criaram textos do mais doce mel...

ALCORÃO II

De tal modo, eu não posso me queixar

das rugas e rasgões deste papel,

o meu espaço é bem menos cruel

que o dos escribas, em seu labutar,

para as palavras do Profeta registrar:

o Mensageiro iletrado, cujo anel

o ligava à divindade, em seu rebel

anseio de este mundo transformar.

Era sua tinta fuligem e carvão,

misturada das tâmaras ao suco,

gravado a custo em raro pergaminho,

mas alcançando longa duração

nessas suratas em que também me educo,

embora, às vezes, firam como espinho.

HONESTIDADE VII

Contudo, a maioria dos humanos

prefere obedecer ordens alheias,

sejam estas agradáveis ou mais feias,

mesmo terríveis atos desumanos.

É difícil decidir, por tantos anos:

preferível abrigar-se nas ameias,

irresponsáveis nas estranhas teias,

sem ter de cometer os seus enganos.

"Ordens se cumprem, sem se discutir":

não é somente o jaez dos militares

ou das grandes confrarias religiosas,

mas se encontra a cada passo no sentir

de quem prefere um produto a similares,

para aceitar propagandas ardilosas...

HONESTIDADE VIII

E são assim as mimas e modismos,

nessa farândula da louca imitação,

sem distinguir o belo do malsão,

mas seguindo os recentes catecismos.

Mais as mulheres, sem dúvida, que são

vulneráveis aos conselhos e iludismos.

Desse rebanho da moda nos abismos

se lançam facilmente e com paixão.

Os homens custam mais, porém conselhos,

sem perceber, aceitam diariamente,

conservando atributos semelhantes

àqueles que observam nos mais velhos:

por mais que a imitação seja inconsciente

repetem seus papeis, igual que dantes.

HONESTIDADE IX

As coisas mudam hoje mais que antes,

por nos acharmos muito mais expostos

a tantas alegrias e desgostos,

que nos revelam os filmes delirantes

mostrados nas tevês em mil instantes

de violência casual; e predispostos

nos demonstramos a repetir os gostos

que nos revelam novelas, penetrantes

em cada lar; ou que os gueimes anunciam,

como sendo naturais morte após morte

ou luta após a luta, em longa fantasia;

Que a atitudes semelhantes guiam,

na vida quotidiana, de igual sorte,

tanto quanto o imaginar nos permitia.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 29/05/2011
Código do texto: T3000142
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