MUSGO AZUL / JALLOPY / JAMESTOWN PARK

MUSGO AZUL I (22 mar 11)

Vi muita gente descrevendo flores

que, de repente, viraram borboletas,

pelo influxo de quaisquer magias secretas,

para voar na atmosfera em esplendores.

Até mesmo no cinema e sem odores

as flores se transformam em diletas,

aladas criaturas... Em completas

transmutações para a saga dos amores.

Os cineastas pensam, afinal,

ser melhor um destino assim converso:

flores murcham sem ao menos estertores.

Mas eu procuro ser sempre original;

por isso quero descantar em verso

as borboletas que viraram flores...

MUSGO AZUL II

As monarcas, em suas nuvens azuladas,

se lançam pelos ares, aos milhões,

em coloridas e aguardadas migrações:

árvores secas deixam encantadas

com seus cachos de flores animadas,

corimbos e amentilhos, multidões

de lepidópteros azuis, mil ilusões,

embora muitas sejam devoradas...

Depois que pousam, ficam muito quietas,

em cascatas de luz feitas de gelo,

musgo ciano descendo pelos galhos,

para enganar as aves mais patetas,

que permanecem em seu faminto zelo,

sem perceberem tais azuis orvalhos...

MUSGO AZUL III

Quando chega a manhã, a revoada

desperta logo que chega o outro orvalho:

vão às centenas abandonando o galho

em que passaram noite e madrugada.

E cada árvore assim fica despojada

de tal tiara azul, seu agasalho,

usado toda a noite, em seu trabalho:

conter a geada aos poucos condensada.

E as aves voltam, bem alacremente,

a devorar insetos aos milhares,

mas são tantas, que as nuvens logo esvoam.

Ficam os pássaros saciados brevemente

e as monarcas azuis, formando pares,

pelos céus das alvoradas breve escoam...

MUSGO AZUL IV

Mas nem todas conseguem voo alçar;

algumas ficam nos galhos agachadas,

forças perdidas, fracas, extenuadas,

essas árvores ainda a debruar...

Assim imóveis, sem atenção chamar,

despercebidas pelas passaradas,

permanecem sob o sol, evaporadas

as energias para o seu voar...

Então algumas suas patinhas enraízam

pela casca dos troncos, através,

para beber a seiva que traz vida.

E o destino das flores assim bisam,

sem murchar, por longo tempo, tristes rés

desse crime de pousar em tal guarida.

JALLOPY I (25 mar 11)

Bem conservado, é peça de museu

este elegante e antigo calhambeque,

com suas rodas de aros como leque:

prestou muito serviço e prazer deu.

Contudo, lá no canto, alguém se ergueu,

uma figura pálida, contra o deque,

Olhos negros e fundos; ou é um espeque,

somente um manequim que se prendeu

contra a parede, tal qual decoração,

mas que me lembra até um mau agouro:

a morte que observa ou que recorda.

Talvez fantasma, quiçá assombração,

essa figura de cabelo louro,

que ao ver o carro, novamente acorda.

JALLOPY II

Um capuz negro traz sobre o cabelo,

usa jaqueta clara, acho eu de couro,

sobre uma blusa escura e um cacho louro

lhe desce sobre a testa, em desmazelo...

Aquele olhar escuro, frio degelo,

no rosto muito branco, triste agouro

lançar parece... Lembra-me um desdouro

amaldiçoando o calhambeque, só de vê-lo.

Este carro vermelho, com estofado

e toldo negros, todo renovado,

já deve ter estado em acidente...

Quem sabe essa mulher vem do passado,

falecida em tal evento inesperado,

a demonstrar rancor, bem simplesmente.

JALLOPY III

Minha avó morreu assim, num acidente,

quando minha mãe era ainda bem pequena...

Carro vermelho também, mas outra cena.

A morte é companheira bem frequente

dos automóveis... Carrega muita gente,

alguns com transição rápida e amena,

outros sofrendo longa ou breve pena,

queimados vivos ou em coma permanente.

Minha avó morreu depressa. A porta abriu

e bateu com a cabeça ao meio-fio

de uma calçada. Chamavam de barata

a esses carros de motor muito comprido.

Mas que destino poderia ter sofrido

esse fantasma que maldição desata?

JALLOPY IV

Talvez nem tenha morrido em acidente,

porém visto morrer nele o seu amado...

Quiçá depois se tenha suicidado,

sem desejo de enfrentar a sorte ingente...

Ou quem sabe, foi sua mãe ou algum parente

quem teve tal destino malfadado...

Desse modo, o coração até culpado,

por estar dirigindo, então se sente...

Ou tenha ainda assistido ao casamento

do homem que queria e outra qualquer,

saindo os dois para sua lua-de-mel,

no mesmo calhambeque, olhar ao vento...

Nem sequer pegou o buquê da outra mulher,

passando a vida num amargor de fel...

JAMESTOWN PARK I (28/3/11)

Eu vejo as penas voando de meu peito,

uma a uma, na cânula do sangue

e, pouco a pouco, vou-me tornando exangue,

enquanto alçam seu voo sem defeito.

Eu vejo penas de emplumado jeito,

a revoar, todas juntas, numa gangue,

enquanto uma outra pena assim se enlangue-

sce ao percutir ruidoso efeito... (*)

Dançam as penas, sozinhas ao luar,

algumas são remígios que sustentam

o pairar dessas minhas penas pelo ar,

enquanto outras em tristeza se apresentam,

as pobres penas sem asas a voar,

rodopiando até o solo em que se assentam...

(*) Emprego aqui a longa sinafia.

JAMESTOWN PARK II

Eu vejo as pétalas brancas de amendoeiras,

a escorrer, serenas, para o chão...

Quando me abaixo, posso encher a mão

das penas brancas das árvores solteiras.

Elas soltam sua lã, como as paineiras,

mas são pétalas de alvura e comoção.

São penas essas folhas de ilusão,

que flutuam na brisa, caideiras...

Os troncos negros se despem lentamente

e fica o solo coberto de um tapete

que, à primeira vista, até parece

campo de neve em branquejar frequente,

mas cada floco ou flor em tal confete

é outra conta de lágrimas em prece...

JAMESTOWN PARK III

E vejo as nuvens brancas como lã,

flutuando pelo céu, nessa indecisa

escolha entre a terra, mais precisa

e o paraíso celeste, em busca vã...

A sombra da montanha, qual vilã,

contra o horizonte, tumular se alisa,

gigante adormecido, em sua concisa

silhueta azul qual uva temporã...

As nuvens brancas formaram-se de penas

ou de painas que deixaram travesseiros?

Formaram-se das pétalas tombadas

ou dessas penas que eu conheço apenas?

Penas de lástima, a balir como cordeiros,

cujas bocas já foram desmamadas...?

JAMESTOWN PARK IV

E vejo não ter asas... Porém penas

já tive muitas, igual que as amendoeiras,

cujas pétalas despediram-se certeiras

e, como a nuvem a cobrir as cenas,

minhas penas, de sangue negro apenas,

escorrem pelas cânulas, ligeiras

e voam para ti, alvissareiras,

transmutadas em poemas e verbenas...

Mas que minhas penas te tragam alegria,

como a neve, após cair, coleta o frio

ou como as pétalas a criar tapeçarias.

Cada qual com seu toque de magia,

pétala, paina e neve o teu vazio

a preencher do amor que mais querias...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 07/05/2011
Código do texto: T2954491
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