MANDRÁGORA
MANDRÁGORA I (2008)
passagem para os caquéticos!
salve o gozo natural
de quem não é imortal,
nem se alinha com os céticos!
nessas filas há esperança,
quando se alcança passagem
por entre os adolescentes,
em tal gesto de coragem
de quem o desdém alcança
nos seus anos deprimentes.
nesses anos sem estética,
enquanto mais se abomina
tantos dias passageiros,
nessa réstia peregrina,
nesse refúgio da ética,
em seus sonhos derradeiros.
que nem mais sequer se busca
doces sonhos de ouropel,
são os pobres sonhos tristes
a quem só se dá quartel,
nos quais nem sequer te ofusca
o sonho de que desistes...
MANDRÁGORA II
malincesto é meu soneto
que não se mastiga perto
do coração ainda incerto,
a bombear cianureto.
o soneto malincesto
posto de lado, é mais ágil,
em seu passo destilado,
cheio de cadência frágil,
por tanto que desembesto
pelo espaço embriagado.
que somente me rodeia,
na orgia da sobriedade,
para onde quer que olhe,
quando vejo à saciedade
a devassidão alheia,
a nadar sem que me molhe.
basta um gole de lixívia
pela falta de luxúria,
nesse meu palimpsesto,
nessa sobriedade incúria,
ansiando pela lascívia
de meu verso malincesto.
MANDRÁGORA III
a cantar pelas esquinas
esmorece o trovador,
repreendido com calor
pelas sombras matutinas...
cantara por toda a noite,
mas a amada se fez mouca,
nem sequer abriu janela...
sua voz magoada e rouca,
pelo vento em seu açoite,
não desperta a atenção dela...
ou, quem sabe, despertara,
mas usou o travesseiro
para cobrir seus ouvidos.
desse canto interesseiro,
somente mágoa abraçara
o trovador aos gemidos...
ainda se fosse um gato,
com seus agudos miados,
seria melhor aceito...
mas os versos entoados
apenas ao celibato
demonstraram ter direito!
MANDRÁGORA IV
na saga de compostela
gastam pés os peregrinos,
de igrejas tocam os sinos,
miram moças da janela...
quem inventou essa lenda
foi um triste pecador,
enviado em penitência,
por causa de mal d'amor,
nesse desejo que ofenda
roxo manto da eminência.
assim, nessa trilha antiga,
perlustraram os milhares,
através da média idade,
a sós ou formando pares,
marchetando a velha intriga
da corpórea eternidade.
depois, a senda esvaziou-se:
ciência e pornografia
foram nova penitência,
mas a rude fantasia
um novo vigor lhe trouxe,
nessa giesta da impotência.
MANDRÁGORA V
muito pouco raciocina
quem alguém, sob controle,
pensa o mundo, como um fole,
empurrar para sua sina.
é o mundo que nos controla,
no instante do nascedouro,
em perpétua circunstância,
alguns em busca de ouro,
outros querendo uma mola
que os impulsione à distância...
mas só nos concede o mundo
aquilo que lhe convém
e não o que mais queremos,
pois pena o mundo não tem,
em seu domínio iracundo,
daquilo que nós fazemos...
e é assim que a bola pula:
se quisermos alcançar
qualquer coisa nesta terra,
temos de nos agarrar
aos ditames dessa bula
que nas garras nos encerra.
MANDRÁGORA VI
para um ajuste de contas
é certo que falta pouco:
da moral só resta um toco,
da honestidade nem pontas.
as leis são feitas de gesso,
quebradas ao bel-prazer
de quem conserva o domínio.
basta um cargo se obter
para pôr a honra a preço,
no mais puro lenocínio.
todavia, os governantes
são eleitos pelo povo
de vontade soberana.
deveria haver renovo,
fica tudo como dantes:
todos têm a mesma gana!
talvez seja necessário
demitir todo o congresso
e as tetas do executivo.
mil perdões agora peço:
renovado o judiciário
quero ver, enquanto vivo!
MANDRÁGORA VII
na morna saga do vento
eu procuro a meiga rima.
na brisa que nos anima
só encontro o meu lamento.
porque esquecer nunca posso,
nesse meu ideal exangue,
a falta que sinto dela.
coagulado o meu sangue,
a circulação remoço,
ao passar por sua janela.
e fico nessas andanças,
esvaído a noite inteira,
tentando pensar no mal
da sociedade ligeira,
das moralidades mansas
que o negro pintam de cal.
mas pensar eu só consigo
é na cor do seu olhar,
na delícia desse beijo
que tanto quero encontrar,
e nos seus braços abrigo,
na ternura do desejo.
MANDRÁGORA VIII
afinal, pouco me importa
que gire a rosa dos ventos,
se meu amor mais portentos
por todo o peito me corta.
porque amor é indubitável
quando chega em seu assalto
e é impossível de ocultar,
nesse hormonal sobressalto,
de poder incontestável,
que tudo vem dominar...
mas amor mais verdadeiro
é esse que cresce aos poucos
e tem raízes mais fundas,
sem nunca nos deixar loucos,
mas que surpreendem ligeiro,
quando se cravam profundas.
é como um câncer discreto,
que ocupa todo o organismo,
melífluo, sem causar dor
e contra todo o otimismo,
explode, não mais secreto,
mas pleno e dominador!
MANDRÁGORA IX (2/1/2010)
eu também sou catavento
no girar desses amores:
as nuvens trazem... dolores
e a rosa... um perfume lento.
mas a mandrágora é jura
nesse humano manequim.
ao querer engravidar,
era devorada assim,
pela mulher, na loucura
da magia a acreditar...
em todo o oriente o ginseng
acham ser afrodisíaco,
um viagra natural,
com efeito satiríaco,
que derrota mesmo a dengue
e é cura de qualquer mal!
a mandrágora, porém,
que consumo diariamente
é essa luz de teu olhar,
que me domina, fremente,
e a substância contém
para o mundo dominar...
MANDRÁGORA X
mas o mundo fica à espreita
e me corta o suprimento
e não vejo um só momento,
pela fresta mais estreita,
numa visão fugidia,
apenas num lampejar,
a mandrágora que amo.
e fico assim a cismar,
no meio da desvalia,
que essa visão que clamo
que essa ilusão esguia,
esse som de lamparina,
esse olor de dealbar,
não faz parte de minha sina:
é somente fantasia
prender as ondas do mar.
quando chega a baixa-mar,
quando a areia se resseca,
as espumas não mais giram,
marchando de seca em meca,
tantas conchas a buscar,
que teu nome não suspiram.
MANDRÁGORA XI
não preciso de remédio
para física impotência:
basta a tua redolência
para arrancar-me do tédio.
mas se ginseng cultivo,
a mandrágora sagrada,
sou movido por razões
de potência mais amada:
só busco achar lenitivo
ao vazio de meus pulmões,
quando não sentem de ti
os olores do perfume,
quando perco meus apegos
e só guardo por costume
a imagem que nunca vi,
no fulgor dos olhos cegos.
pelas areias do mar
só transitam caramujos,
mirões de corpos humanos...
lascivos olhares sujos,
procurando perscrutar
a fonte dos desenganos...
MANDRÁGORA XII
não se encontram nas areias
as raízes da mandrágora...
é mais fácil ver na "amárgura"
que me retém em suas teias.
cavando o solo do pago,
por entre raiz estranha,
encontro mudas de olhar...
retiro com toda a manha,
acarinho com afago,
pois sei como replantar.
mandrágora não vai em vaso:
minha carne em fragmentos
é que servirá de adubo,
aguada com sentimentos,
nada deixando ao acaso,
ao coração prendo um tubo.
e quando tiver crescido,
mandrágora eu comerei,
com seus poderes dispersos
e assim engravidarei,
malincesto cometido,
para dar à luz meus versos.