LAMPARINAS 1-12

LAMPARINAS I

Minha luz é fraca, mais como uma vela

do que archote ou tocha no mural.

Não que não haja o suporte do torchal

ou um alicerce pronto para a estela...

Mas é que a luz que emito se congela,

por não possuir espelho natural.

Não se espalha potente por canal,

é somente luz dourada e bem singela...

Ela se expande por pequeno espaço,

porque não se reflete ou reproduz,

apenas minha mortalha é que me embalma.

Fico restrito à cor do teu abraço,

ciumento de mim, se estamos nus,

escutando o teu som dentro em minha alma.

LAMPARINAS II

Porque minha luz é pouca: titubeia,

quando se adensa a treva ao derredor;

pouco ilumina, pouco pode expor,

à menor brisa, fraca, bruxuleia.

Mas se enxerga de noite, pois permeia

largos espaços em gentil pendor;

prometo, ao longe, um pouco de calor

e o olhar do viandante se incendeia.

Porém, de perto, já não dá impressão:

não passa de luz morna e bem difusa,

por mais que os traços do rosto suavize.

Todos preferem a elétrica visão,

que uma longa distância logo cruza,

sem que deixe passar qualquer deslize.

LAMPARINAS III

Não é pois de espantar que me desprezem:

não estou no palco e nem sou refletor,

mas mesmo um fósforo causa algum queimor

e melhor fora que melhor sopesem,

pois nesse seu descaso, talvez lesem

a si próprias, não a fontes sem calor:

pavio pequeno que apenas corredor

pode mostrar aos passos que lhe pesem.

Mas é o brilho que atrai a mariposa,

não a fragrância opaca de uma rosa,

não o tanger suave de uma lira...

E a tíbia luz que nos meus dedos pousa,

com que a escuridão ainda conspira,

gera um arco-íris, que dentro em mim repousa.

LAMPARINAS IV

Mas sendo arco, a corda que se estira

usa um íris em projétil, como flecha

e, quando se distende, então desfecha

as sete cores com que o mundo fira...

Pode ser flébil a luz que se desfira,

mas corta a noite qual certeira mecha,

pode canhão tornar-se e causar brecha

em cada olhar que de soslaio mira...

Minha luz é turva, porém é permanente:

quem em mim confia, sabe que não falho,

que sempre estou disposto a iluminar,

como o pavio de vela, em tom ardente.

em tua tristeza eu abrirei um talho,

de que toda a escuridão possa jorrar.

LAMPARINAS V

Precisa toda luz de teu espelho,

como o sinal de uma repetidora;

que um satélite captasse, melhor fora

e a golpeasse com força, qual um relho.

Mas esta luz provém do mundo velho,

é de modelo antigo seguidora;

nem anda de avião, no corpo mora,

se movimenta ao pisar de cada artelho.

Bem longe está das modas a mensagem

que pelo mundo transmite meu farol:

busca dizer o que jamais foi dito.

É luz de brisa, o sopro de uma aragem,

estrela pálida de longínquo sol

que há milênios já lançou da morte o grito.

LAMPARINAS VI

Se tens olhos para ver a antiga flama,

percebe que precisa de carinho:

alimentada com musgo e com raminho,

a velha voz em fogueira se reclama.

Só depende de ti que a rubra chama

se difunda pelo mundo, como vinho:

não a escondas entre a palha de teu ninho,

tampouco a ocultes por baixo de tua cama.

Guardada no teu ninho, queimará

e te fará ferver o coração...

Nesse assomo de egoísmo, espantará

para longe de ti a escuridão...

Mas logo a alma também consumirá,

empapada no ardor desse lampião!

LAMPARINAS VII

Se guardares a candeia sob a cama,

sua luz se extinguirá ao desalento;

e, se assoprares o morrião da chama,

terás assassinado este portento...

Mas quem apaga a centelha de um momento

é que não tem a verdadeira flama;

não era para si meu sentimento,

lançado algures a um coração de dama...

Como a estrela que morre e a luz perdura,

só contemplada séculos depois,

assim se espalharão as minhas centelhas,

simples, singelas, de harmonia pura,

mas no fundo cruéis como os anzóis,

porque a alma te prendem se as espelhas.

LAMPARINAS VIII

Mas se souberes os versos repetir,

espalhá-los pelo mundo, com afeto,

muito maior a luz sob teu teto,

muito maior de tua alma o reluzir.

Nada mais faço que uma função cumprir:

vem a mensagem e a missão completo,

não sou sujeito, apenas objeto,

escriba a registrar o quanto ouvir.

Expeço apenas, de forma rotineira,

a uns quantos amigos e parentes,

pois de que serve o verso ao não ser lido?

Mas permanece a incerteza derradeira:

se, afinal, tocarei algumas mentes,

se nem eu mesmo, às vezes, tenho crido...

LAMPARINAS IX

Porém, se crês, já fazes mais do que eu,

que somente registro e nem evito

esse mistér de refulgir maldito,

esse dever igual ao do judeu

errante, que este mundo percorreu

setenta e sete vezes. Por contrito

que esteja, não sou assaz aflito,

e nem me importa saber se alguém me leu.

Sou tão somente escravo da poesia,

que jorra como límpida cascata

e deveria refrescar a minha cabeça.

Mas não se bebe o som que nos trazia,

recebo a inspiração como chibata,

gemendo cantos numa calda espessa.

LAMPARINAS X

Esse talento por deuses concedido

já me encheu até mesmo de esperança:

que carvões me trouxesse sem tardança

ou então, achas de amor correspondido.

Brilhando a lenha em fogo consumido,

compartilhado em tal loucura mansa,

queimando ideias numa longa trança

até que amor seja a cinzas reduzido...

Pavio de vela, que branco foi um dia,

mas que agora se retorce em agonia,

tão negro e inútil quanto este morrião,

perdido assim, tentando ser neblina,

na luz mortiça da pobre lamparina,

que nunca conseguiu ser um lampião!

LAMPARINAS XI

A forma do soneto, reconheço,

pertence ao tempo do lampião de gás;

só uma lembrança que a memória traz,

sobre a qual livros li desde o começo

de minha infância, porque não mereço

que me julguem ter vivido tão atrás,

que visse a luz que um tal lampião desfaz,

perdida num desvão de treva espesso;

hoje essa coisa que chamam de poesia

são fiapos de versos retilíneos,

sem métrica, sem ritmo e nem rima;

só conservam a cadência e a melodia,

que encaixam com meneios curvilíneos

e o povo aceita, na onda dessa mima...

LAMPARINAS XII

Mas eu... Sou filho de um antigo sol,

que derramava luz por toda parte:

"Se a tanto me ajudar engenho e arte",

os passos de Camões, pelo arrebol,

eu seguirei, tentando ser farol

ou ao menos refletir, vermelho marte,

antes que a luz da Lua me descarte,

compondo sempre o desprezado rol

destes meus cantos. Sou fósforo de luz,

que se apaga num brilho intermitente

e nem sequer persiste como isqueiro...

E como é breve a centelha que reluz!

Talvez na Web se torne permanente,

mas que em meus dedos escorre bem ligeiro!

William Lagos
Enviado por William Lagos em 14/04/2011
Código do texto: T2907943
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