Iguana camuflada

     Longe das lâmpadas e dos cascos de cerveja,

     ela caminha do outro lado da pista

     onde ninguém passa e não existe ir e vir.

     As cabeças são em negativa,

     a vergonha é de camaleão, de bicho-pau

     com os olhos atentos de dentro da invisibilidade.

     Seu rosto é de pai, seus seios de mãe, seu corpo

     capaz de sangrar e coagular a dor das chagas de Jesus

     como qualquer outro ser humano.

As maçãs de seu rosto se coraram no eclipse da noite

como dois poetas no vento primaveril do absinto.

     Seu salto, bolsa e decote ficaram sem sentido nessa volta

sem mais cheiro de ida, sem o escuro que encobre detalhes

indesejáveis e a camuflagem de Iguana

que agora repousa dentro de sua carteira.

A torre de sonhos sem sono é testemunha

do carro que à levara daqui ainda de noite.

     E hoje quando amanheceu, num barraco de viela sem colunas

da Baixada Fluminense, uma criança acordou chorando de fome

e felizmente a mesa estava servida

com todo o sofrimento de um homem.