Por outros caminhos
Ribombou na noite cega o sino
Que ensurdeceu minh’alma: - Blim-blom, blim-blom!
E eu que andava ao léu contigo
Buscando abrigo, louca mansa
Manca da alma, solitária do espírito
Vagueávamos noite adentro
Tal qual zumbis sedentos
Vampiros se esgueirando por ruelas
Em busca do sangue que iria nos suster
- Pra que temer! - dizia eu
Na ânsia de vê-lo na sarjeta comigo
Sufocando de sangue até não mais poder!
Achava-me forte, nada podia me vencer
Atônita na chuva, na madrugada
Raposa esperta eu me julgava
E te carregava para roubar nosso alimento:
Algoz alento, que nos matava aos poucos
Sem deixar-nos perceber
Mãos dadas pela desgraça saíamos
Tão loucos que nunca dormíamos
Internados nesse daime insano
De ser e estar sem ter ciência, como nem se aperceber
Um dia meu peito cansado se estraçalhou
Senti o cansaço do tempo perdido
Nas páginas rotas viradas da vergonha
Que eu nem mais tinha e nem sentia
Pois já me guiava Satanás:
- Menina do sorriso largo, te carrego!
- Tu comigo agora vais!
Lavei o rosto, fitei-me no espelho
Sulcos cansados, puro desgosto
A faca pego e gritando digo:
- Viver eu já não quero mais!
Enquanto isso, dentro do meu ventre latente
Outra vida implorava que eu ficasse
Semente de candura, da esperança e da luz
Que me rebuscou das trevas a avisar-me:
- Nova vida tu terás!
Mesmo sem ter certeza nem saber
O que o futuro me acenava
Um presente, de repente disse: - Arreda Satanás!
Ouvi ao redor uma oração, vozes contritas
A Deus implorei salvação
Uma mão então me segura, e me conduz
- Estou livre, Jesus?
- Estás salva, serás MÃE!