Piedade
A leveza se escondeu,
o temor não esmoreceu.
Descubro, pois, que não sou
o que penso em mim existir.
Amordaça o peito um sentir
que enlaça o olvido e o porvir.
O que antes jazia perverso,
faz-se sinistramente saudoso.
Em que no amanhã aposto?
Na sorte, no fim, espero.
O sorrir não se faz brilhante.
O sentir tampouco é instigante.
O cantar, ora perfeito, angustiante,
origina um clamor latente, abrasante.
Aposto em meus versos nefastos,
agonizantes vozes que curam,
palavras enfadadas, tédio,
mas com fim postulado em remédio.
Gritar ao mundo o que penso;
acalmar vozes que repenso;
bradar dores que consomem;
conter em mim este leme...
Ensurdece, pois, um canto
que opta por não ser livre.
Emudece a voz de um poeta
que não mais voa, reprime-se.
Aquela fé, aquele torpor,
Aquele afã, aquela flor...
Resquícios de si, nata fina,
tormento, fremir, langor,
dissimulados na menina...
Ai de mim, Senhor!
Desfalecer,
não saborear essa dor...
O morrer em meu existir
assenta-se, por fim, um fervor!
Piedade, Senhor!
Piedade, Domina Dor!
Piedade, Mata Dor!
Piedade, Cria Dor!
Sabe Dor, piedade!
Por Amor, piedade!
Com ardor, piedade!
Sem pudor, piedade!