Piedade

A leveza se escondeu,

o temor não esmoreceu.

Descubro, pois, que não sou

o que penso em mim existir.

Amordaça o peito um sentir

que enlaça o olvido e o porvir.

O que antes jazia perverso,

faz-se sinistramente saudoso.

Em que no amanhã aposto?

Na sorte, no fim, espero.

O sorrir não se faz brilhante.

O sentir tampouco é instigante.

O cantar, ora perfeito, angustiante,

origina um clamor latente, abrasante.

Aposto em meus versos nefastos,

agonizantes vozes que curam,

palavras enfadadas, tédio,

mas com fim postulado em remédio.

Gritar ao mundo o que penso;

acalmar vozes que repenso;

bradar dores que consomem;

conter em mim este leme...

Ensurdece, pois, um canto

que opta por não ser livre.

Emudece a voz de um poeta

que não mais voa, reprime-se.

Aquela fé, aquele torpor,

Aquele afã, aquela flor...

Resquícios de si, nata fina,

tormento, fremir, langor,

dissimulados na menina...

Ai de mim, Senhor!

Desfalecer,

não saborear essa dor...

O morrer em meu existir

assenta-se, por fim, um fervor!

Piedade, Senhor!

Piedade, Domina Dor!

Piedade, Mata Dor!

Piedade, Cria Dor!

Sabe Dor, piedade!

Por Amor, piedade!

Com ardor, piedade!

Sem pudor, piedade!

Isa Resende
Enviado por Isa Resende em 17/06/2010
Código do texto: T2324216
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