A Boa Lembrança
Nossa memória realmente é seletiva,
mas no sentido perverso, com certeza:
a recordação da alegria é fugitiva
e aí fica mais espaço pra tristeza.
Nossa tendência é aumentar as dores,
como se isso ainda fosse preciso,
dar valor aos menores dissabores
para ocupar o lugar que era do riso.
Sofremos todos nós de coitadismo,
uma aparente e irresistível vocação
de ficar sempre na beira do abismo
e até torcer para levar um empurrão.
Já muito mais tarde, bem velhinhos,
é que mudamos o modo de pensar,
depois de percorrer tantos caminhos
e tanta coisa boa ou má guardar.
Aí já bastam do presente as dores,
e a memória já vai chegando ao fim;
esqueçam-se os espinhos, não as flores,
esqueça-se o deserto, não o jardim.