Recolhido em mim, inimigo do cotidiano,
Acuado, como que os felinos, que recusam a disputa,
Com a má vontade, pois no fundo desejaria a luta.
Exausto de tantos combates, mas inquieto por eles.
Derrotado, mas vivo, e querendo novas vitórias.
Instinto de guerra, não quer o chão, mas a peleja,
Quer renascer das próprias cinzas, fantasma de terror,
Num pacto com o Divino, desafiar com o sorriso a morte.
E depois de tantos confrontos, se entregar manso,
Curvar-se ao destino, como se fúria e paz fossem amantes.
E no delírio da própria solidão, criar visões e fantasias.
Descobrir a consolação que existe nos sonhos distantes.
Rir-se por sabe-los tão distantes, e ainda assim almeja-los.
Pois a graça não esta no desafio, mas na dádiva da esperança,
Na motivação de encontrar algum sentido, e depois se perder.
Pois que perdido estão os anjos que não reconhecem a luz,
Mas erguem suas imaginárias espadas contra as trevas.
Nem a batalha perdida, nem o bom combate, apenas a luta.
Qual a graça que pode haver nesta convulsiva afobação?
Sei lá, isto de fato parece bem pouco importar.
Porque quanto mais se questiona, menos se quer saber,
Pois que da saciedade renasce a vontade de silêncio.
E meditativo, joga fora as vestes de combatente,
E se verte em monge solitário, em velho ermitão,
Em leão cansado a desejar a solidão da própria morte.
O velho vê o guerreiro, é como se pedisse por paz,
O guerreiro vê o velho, e ri-se de si,
Não um riso irônico, não um riso de troça,
Mas o sorriso feliz, onde toda a inquietação silencia-se.
Onde todo o movimento parece voltar-se a inércia,
E ali nenhum sentido de vazio, pois está presente a potência.
E então nem o velho, e nem mais o guerreiro, mas a alma.
Sem passado, sem presente, sem futuro, sem tempo....
Existindo como tênue anjo de luz,
Luz que perde-se e encontra-se no seu coração.
E o rosto está lívido, e o olhar se deixou levar.
Viu a noite com sua lua e suas muitas estrelas,
Viajou sem destino, distanciou-se de si,
Longe de tudo, longe de todos,
Mas guardado na esperança,
Que espera, que é paciente e ansiosa,
Que tanto aguarda, que tanto quer,
Para depois desprezar por mero capricho,
Para fingir que não existe,
Para fugir de si, pois teme o seu encontro.
07/06/2004