Equilíbrio
Os quês e os porquês se escondem sob a terra.
A matilha perde o cão que mandava no seu bando.
O espelho surdo e mudo nega imagem à megera.
A trilha de migalhas não tem onde e nem um quando.
Três porquinhos jantam o lobo mal.
Dom Quixote é derrotado por moinhos.
A chuva cai e molha as roupas no varal.
Você é marcado pelo olhar de seus vizinhos.
E todos falam ao seu redor,
Como se você realmente não estivesse ali.
Você sabe que sempre há alguém pior,
E mesmo assim não sorri.
Enquanto as paredes do seu quarto se encolhem,
E a janela abre sozinha na madrugada,
Você tenta fechar os olhos e não pode
Porque eles ainda procuram no nada.
A vida é curta e cheia de incertezas,
Das quais você sabe não poder saber.
E que a maior delas é se vale a pena
Estar vivo só por poder viver.
Você olha pra si mesmo e não encontra nada.
Você sabe que não é nem uma pessoa amada.
Você toma uma escolha e ela está errada.
Você planeja a sua vida e então ela se acaba.
Tapa os olhos com a mão e ainda enxerga
As coisas feias que esse mundo faz.
Mas vê também como a vida é bela,
Mesmo sem saber como é o mar.
Você respira o ar poluído do ser humano,
E sente o perfume dos carburadores.
Você sente a vida morrer ano por ano,
Enquanto o mundo vai perdendo as cores.
Você toca uma rosa e ela desabrocha,
Você vê ela morrer num vaso de vidro.
E enquanto ela morre sua garganta embola
E não tem ninguém pra chorar contigo.
E a vida já foi bela por um longo tempo,
De infinitas noites e incontáveis dias.
E agora cinzenta ela vai com o vento
Como ainda hão de ir suas cinzas.
Você vê seu amor ir e se sente sozinho,
Mas vê seus olhos brilharem de ouro:
É o recomeço da vida por outro caminho;
É a felicidade de um e a possibilidade de outro.
E então vem a chuva e apaga suas lembranças.
Você vive outro dia como novo.
As mesmas paisagens, pessoas, esperanças.
Mas então há um sorriso em seu rosto.
Porque você sabe que a vida é uma só,
Você sabe que a chuva molha, e que o sol seca.
Você sabe que ama e que o amor vira pó.
E que a vida continua de portas abertas.
Você vê a rosa nascer num terreno baldio.
Você vê o entulho dar passagem à flor.
Você descobre então que não é vazio,
E que o mundo é o amor.