A Solidão
Numa ilha deserta, encontrei meus pensamentos e meus desejos
Sonhei que eu era capaz de falar e as pessoas, capazes de escutar,
No sonho havia ninguém, havia Josés, havia todos, ouvindo
O que cada um tinha para dizer, conhecendo cada vez mais sobre
Outro ser e não ser, não havia questão, mas havia dúvidas,
As perguntas não eram acerca da vida e ninguém queria uma resposta
Só queriam era falar o que tinham para falar e se fazerem escutar
Seus sentimentos e pensamentos, milhares de visões do mesmo assunto
Histórias distintas sobre um único mundo, que girava em torno
De sóis e planetas distantes, luas novas e luas minguantes
Tesouros perdidos, assim como os sonhos, perdidos, mas há um porém,
Pois tudo que está perdido pode ser encontrado, pelo simples motivo
De estar perdido.
Nessa ilha deserta eu também acordei, e vi com meus olhos
Um mundo científico, onde robôs são programados para seguir rotinas
Cumprimentar, agradar, trabalhar e dormir, e para isso
Existem milhares de fontes de comunicação, que não comunicam nada
E há outras dezenas de maneiras de se falar, todas confusas
Maneiras ridículas ao ponto de um mesmo povo não ser capaz
De entender seus irmãos, solitários, eu e você
A doce ironia de não poder falar com quem está ao seu lado
Porque não há compreensão na ciência, somente dedução
Comprovação e aceitação, uma teoria ilógica que prova a vida
Como algo frio e inanimado, é a partir dela que nós robôs
Somos criados.
Na ilha deserta eu vi coqueiros, meus únicos companheiros
Ricos em água, fonte de energia para quem está isolado
Buscando um tesouro enterrado, mas não há nenhum X marcando
O lugar, creio que fui enganado, não é aqui onde vou te achar
Tesouro perdido que eu hei de desenterrar, meu corpo não é capaz
De suportar tanto sol e tanto mar, minha alma enlouquece aos poucos
Lembro-me do doce sabor do ouro, que agora já é passado
Quando eu ainda era inocente e acreditava que não estava sozinho
Isolei-me aqui por vontade própria, para poder enxergar
Com a areia em meus olhos o que no horizonte há
Sinto-me perdido, sei que esse não é meu lugar, mas não voltarei
Enquanto o tesouro eu não encontrar
Vejo o brilho.
Não tenho pá, minhas mãos estão fracas! Ajuda-me você aí sentado
Ajuda-me tu que estás ao meu lado! AJUDA-ME! Eu encontrei o brilho,
Mas não consigo cavar, lágrimas de sal caem de meus olhos cheios de terra
Meu sangue fere meu coração, assim como minha alma é ferida
Pela minha mudez repentina, ou seria essa a história de toda a minha vida
Estar mudo, enquanto pensava estar falando, eu morreria para ser capaz
De falar, mesmo que fosse um simples Olá, tudo bem, como está
Meu corpo abate-se sobre o chão, em breve serei alimento para os abutres
Que comerão minha carne, mas não alcançarão minha alma,
Pois ela já está longe daqui há muito tempo
Desde que percebi o cruel silêncio que paira no mundo
Leia o que te digo com seus ouvidos, faça-me o favor
Não seja somente mais um robô, não me deixe morrer aqui sozinho
Vejo olhos.
Meu desespero parece ter despertado algum tipo de olhar
Olhos inocentes, desanimados, deprimidos, recupero alguns sentidos
Consigo ver uma boca que se move, numa dança maquiavélica
Não se preocupa com a beleza do meio, somente com a frieza do fim
Sua dança tenta me dizer algo, mas não consigo escutar
Estou chorando, por favor páre de falar!
Quando seus movimentos acabam eu finalmente consigo sentir
O que tudo aquilo queria dizer
Tu não estás mais sozinho, por que disse isso?
Encontraste o teu caminho, por que sinto isso?
Erga teus olhos e mira os abutres, o que significa isso?
Seres que te cercam e não te escutam, qual o porquê de isso?
Continua falando, pois um dia tua palavra vai alcançar
Uma alma, mesmo que distante, há de te escutar
E somente assim tu encontrarás o que buscaste em vida
O fim da tua solidão.