PONHAM-SE AO LARGO, MENINAS!
Há séculos, estamos à esta janela
eu e tantas outras que me precederam.
O que nos faz tão desejosas, e o que
nos torna prisioneiras
mesmo pretensamente liberadas
e auto-suficientes?
Silêncio. Suspiro longo...
...anoitece em diagonal...
vai amanhecer no vértice do agudo ângulo
da minha visão espremida entre pálpebras cansadas.
Turva é a paisagem do amanhecer
de uma noite sem sonhos, noite de suores.
Espessa é a névoa , estreita a passagem.
Opaco, o clamor que morre na garganta!
Andorinhas partiram há muito
e eu não parto, apenas descarto caminhos
plantada no mesmo chão, aonde me deixo ficar ...
Aquarela ressecada de cores esmaecidas,
esta paisagem se projeta das minhas entranhas
para o dia recém nascido de um ano qualquer...
datas não contam mais, quanto tempo...
Estava ali, desde há muito...
a mesma perplexidade em formas suaves,
a mesma mulher a se repetir em novas histórias...
E agora me perguntarei dos dias e noites de
ser eu mesma neste corpo de mulher em que
me reconheço, em que me acabo, destruo
e renasço sempre numa teimosia estranha.
Me pergunto de quem me amou, do que resta
enfim de tantos estremecimentos.
Resta o silêncio, a poeira, a imagem desfocada
na memória do fundo do olho...
Indago de que tipo de amor foi feita a nossa
inquietação, nosso desejo, carinho, aconchego.
Como tudo se transforma em telas desbotadas
e comprova a fragilidade dos encontros..
(o amor, enfim, não está no outro, está em nós...)
Uma Januária, ou Carolina eu sou, à minha janela
a primeira que "toda gente homenageia" e "até o mar
faz maré cheia pra ficar mais perto dela"
mas a outra , "guarda tanto amor, o amor de todo este
mundo"
e mesmo asssim, "o tempo passou na janela e só Carolina
não viu."
A mocinha do coronel que suspirava pelo tímido professor
olhando de sua janela, está pra sempre na nossa memória
que lamenta a sua sorte,
pobre moça do "bataclan" na velha Bahia do Jorge Amado.
as janelas de Veneza guardam vibrações de damas chorosas
olhos perdidos na distância,
há sempre uma mulher a vigiar a rua
há sempre um olhar de prisioneira
cuja cela está aberta, mas cujas asas
perderam a força no longo cativeiro...
É hora de renascer, é hora, ainda há vida neste mar...
O canto da sereia ao longe é bom presságio
Iemanjá é deusa e mãe protetora... ponham-se ao largo,
meninas!