Lágrimas e Paz



Venham, meus filhos,
Neste poema - ultrapassadas as barreiras do tempo -
Espero por vocês num dia do futuro.
Sentem-se ao pé da minha campa
e chorem, corajosamente,
A sua lágrima pela paz.
Estão cansados e às vezes pensam
Que melhor fora a vida se apenas tivesse durado
Aquele breve instante de poder e glória
em que descobriram sua humanidade.
Sentem-se ao pé da minha campa
e chorem, corajosamente, sua lágrima pela paz.
Da mãe magra e moça que fui,
Muitas vezes um olhar se debruçou sobre suas cabeças ,
Ó meus filhos tão amados!
Do meu mistério brotou a flor anfigúrica
Que o tempo não desmancharia em pó.
Pressentimento de que, após vencerem duras lutas
Com que o mundo os desafiou,
Tornar-se-iam pedras, sem voo e sem pureza;
E na derradeira pergunta de sua infância
Quase derrotada,
Buscar-me-iam aqui,
Neste dia sem remédio do cansaço da longa vida.

Agora,
Já não poderei mais falar-lhes na antiga linguagem
- aquela que cada mãe inventa
Para cantar antecipações ao filhinho insone.
Transposto o instante da morte,
Minha voz perdeu os violinos ,
Mas ganhou a vegetalidade dos lírios da campina
E a mineralidade humilde
Da areia que range
Sob seus passos sem rumo.
Converso com vocês na linguagem das fontes e das brisas.
Para este dia que estava marcado em vocês
Guardei um acalanto precioso
Como um átomo reintegrado.
Se ainda conseguirem chorar uma lágrima pela paz,
Perdurarão o mundo e a humanidade pelos séculos além.

O acalanto ultrapassa as barreiras do tempo
Porque vocês são meus filhos queridos
E eu, sua mãe
Transfigurada, embora, em natureza.
Eu me lembro, eu me lembro:
Bem cedo apartaram-se de mim
Nos seus primeiros passos
Para a aventura da vida,
Em seus primeiros anelos
Pela conquista do mundo.
Floriram para o amor. Partiram para suas batalhas
E, quando me arrebatou a ventania,
Nem ao menos pensaram que ela jamais devolveria a sua presa.
Assim acontece com os filhos. 
Entretanto estava marcado em vocês o dia da volta.
O dia do primeiro ricto de tédio 
Nas faces que beijei tão puras.
O dia da solidão depois da última 
Vitória no campo juncado de lanças partidas.

Comem o pão e é o mesmo que se comessem pedra.
Beijam seus amores 
E é o mesmo que se um relógio batesse horas.
Falam com seus filhos 
E sentem que não se entendem.
Reedificam as velhas cidades,
Conquistam o espaço e vão no espaço
Encontrar a mesma angústia que na terra deixaram.
Criam um inimigo em cada vizinho,
Fazem uma guerra a cada década
E, quando saem vencedores,
Veem que a vitória foi uma colheita de cadáveres.
Dormem o sono do atordoamento 
... e sempre despertam... 
A longa vida cansada do nada os trouxe.
Era o dia da volta.
Sentem-se, pois, ao pé da minha campa 
E chorem corajosamente uma lágrima pela paz
Que nunca tentaram semear.
A paz ajudá-los-á a esperar tranquilamente
- ó meus filhos amados - 
o fim deste sonho inquieto que é a vida. 
Flávia Melo
Enviado por Flávia Melo em 21/03/2009
Reeditado em 21/03/2009
Código do texto: T1498501